quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Exame de consciência

"O povo precisa fazer anualmente o seu exame de consciência: é o que os jornais nos dão a título de retrospecto."
Machado de Assis

E eu vou tentar consolar o meu filhote insconsolável. Ele naquele limite da desistência, pronto para largar os bets. Vou dizer assim:
- Meu filho, não desista. Toma o teu pai como exemplo. Eu lutei, não desisti, por mais que eu quisesse, mas lutei, acima de tudo.
- E ganhou pai?
- Não, fui derrotado... Mas lutei... Serve?

O fim soa mais como um alívio do que qualquer outra coisa.

Retrospectiva 2008

Meus queridos leitores, eu, como bom blogueiro e bom menino, fiz uma retrô selecionando os textos bons que escrevi neste ano. Essa retrô serve basicamente a você, leitor que não é assiduo, mas gostaria de ter sido. Fica aqui a dica: caso você não tiver o que fazer, destrua o seu tédio com os meus melhores textos (os outros são ruins demais, não perca seu tempo).

Ok, sabemos que eu não penso nos leitores, fiz essa retrospectiva só para eu ver o que era bom e o que era ruim. Enfim, 46% dessa budega serve pra alguma coisa, divirtam-se.

Janeiro (2)
Sobre o medo
Sobre planos

Fevereiro (6)
Sobre coisas que não me alegram
Sobre a minha promessa
Sobre o homem que não existe
Sobre como eu queria escrever aqui
Sobre como queria ser invisível, ou invencível
Sobre o meu choro acoado

Março (7)
Sobre a madrugada de ontem
Sobre "Duas Doses, por favor"
Sobre o agora
Sobre o não-usual
Sobre mais uma madrugada
Sobre o sorriso
Sobre o curitibano

Abril (4)

Sobre 1º de abril
Sobre biologia
Sobre uma narração
Sobre o português

Maio (7)
Sobre essa tendência humana
Sobre a metalinguagem
Sobre a necessidade de um monólogo
Sobre o futuro
Sobre o meu jeito apaixonável
Sobre o subjetivismo
Sobre gatos

Junho (3)
Sobre Berlin
Sobre a minha infantilidade
Sobre o 78º post

Julho (10)
Sobre dançarinas
Sobre o inevitável
Sobre este
Sobre a felicidade e seus mil meios
Sobre o novo quarto
Sobre velharias
Sobre velharias, parte 2
Sobre um passado remoto
Sobre um enredo debochado
Sobre o frio

Agosto (4)
Sobre a penumbra
Sobre a tentação
Sobre "Home is where my heart is"
Sobre a cidade

Setembro (9)
Sobre a intervenção divina
Sobre os problemas
Viva la evolución!
Sobre os relacionamentos
Sobre o calor das amizades
Sobre a memória
Sobre as promessas
Miau
Retomando um velho assunto

Outubro (14)
Sobre um receio de ser esquecido
Crônica ao falecido poeta das estrelas
Nonsense
Sobre o layout novo
Chiclete
Conto de fadas
Tortura
Convite, ou evite
Cronos
C'est l'amour, c'est la merd
O dia em que a infância acabou
A parte é o todo
E o destino?
Meninisse

Novembro (9)
Big Ben
Trevo de quatro folhas
Ilusão
A crueldade do sorrir
A leoa vai à caça
Cio
Flashback
Paixão
Te conto uma mentira

Dezembro (11)
Poker
Vazio
Monstro
Natação
Abstêmio
Ombros
Santo Antônio
Coisa boba
Harmonia
Consciência
Bilhete

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Bilhete

Anotei aquelas palavras prá lembrar de dizer o que eu queria. Mas ficou por isso, uma lembrança vaga de todos os sentimentos que eu queria passar por palavras. Eu entendia que, mesmo que eu sentisse, minhas palavras não sairiam. Então, sem pensar duas vezes, beijei-lhe a face e larguei nos teus ombros as poucas lembranças que eu tinha.
Era um bilhete rápido, com três ou quatro frases, afinal era só um lembrete, não uma mensagem. Como as palavras não sairiam, imaginei que você olharia aquela falta de lexico como um tiro no escuro, um ultimo suspiro. Mas não, era só o que eu queria falar. Embora eu não tivesse falado, meus olhos disseram que você imaginou muito mais. Eles diziam que você ouvira, naquelas raras frases, tudo o que eu queria dizer. Todas aquelas minhas palavras recheadas de sentimento estavam ali, jogadas num papel 3x2, pequenino, frágil e esquecível.
Pois eu prefiria que você esquecesse, conquanto não houvesse modos de lutar contra a sua memória. Como fui tolo em acreditar que você leria e jogasse no bueiro mais próximo... Agora os meus sentimentos estão presos naquele bilhete, eternamente escravos da sua lembrança.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Bicho

Queria que entendessem que a dor nas minhas costas não é dor, é peso. Queria que eu entendesse que peso é nada, tudo é nada, eu sou nada. Hoje eu queria acordar no sonho que sonhei, queria ser alguém que tivesse os seus sonhos realizados. Eu não realizo sonhos, eu sonho, eu durmo, sempre deitado na cama, sem fazer nada, esperando que esse hoje passe, pois o próximo hoje é o hoje que eu estava esperando.
Nesse meu misto de nada e nada, eu espero uma mão que me acaricie. E por mais que eu espere o carinho, sou arisco, não quero carinho, não quero companhia, quero solidão e silencio. Virei bicho, virei gato de rua.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Fim coletivo

(Eduardo Silka e Thobias Ampessan)

O vôo do pássaro
No pó sideral da Terra
Sugou toda a felicidade
Que um dia reinou.

Era o preto vendo o branco,
As cratéras tomando forma
E o deserto sendo afogado.
O cheiro da carne ia aos céus.

O dinheiro fora insubstituível,
Mas quando o medo tudo tomou,
Sobraram apenas os Deuses,
Aqueles que destruiam os homens.

A solidão o Sol sofreu.
A Lua perdeu uma irmã.
Mas os que sentiam, não sentem.
O sentir era da gente.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Consciência

Queria resolver a vida, assim como ela resolveu a vida. Pôs tudo em dia, as cartas na mesa, os pingos nos is. Ela precisava limpar a consciência, ele precisava tentar de novo. Ela limpou, ele tentou. Nada de diferente do esperado, afinal cada um fez a sua parte.
Eu pensei que eu podia pôr tudo em dia, as cartas na mesa, os pingos nos is. Mas acontece que o meu negócio não é o falatório, pois se eu falar nada vai nos adiantar, vai? Já que eu só tenho bobeiras a admitir, você vai olhar pra mim com aquela expressão monótona e se perguntar por qual motivo você estivera me ouvindo. E eu, que achei que exprimir tudo resolveria, acabaria notando que, de novo, só estaria ferindo aquele orgulhinho bobo.
Talvez resolveria, caso meu problema fosse consciência, mas não é. Talvez você devesse querer resolver a vida, como ela resolveu a vida. Você podia limpar sua consciência e eu podia tentar de novo, cada um fazendo a sua parte.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Natal

"A riqueza compra até o tempo, que é o mais precioso e fugitivo bem que nos coube."
Machado de Assis

Meu pai perguntava qual presente aquele garoto ia querer de Natal. Eu havia sido um anjo naquele ano, beirava os seis e fora o melhor aluno da sala em todos os anos anteriores.

- O que quer que eu peça para o Papai Noel, filho?
- Tempo, quero o Tempo.
- Quê?
- Pai, eu quero o Tempo de Natal.

A riqueza não era suficiente, portanto acabei por ganhar um Super Nintendo. Hoje posso imaginar o que passava na cabeça do pai naquele Natal:
"Ah, meu filho, um dia quero que você seja rico o bastante para poder comprar tudo o que teu bom menino pedir de Natal. E se for rico o bastante, compra o tempo prá você. Só não esqueça de fazer nossos bons momentos sempre eternos."

Harmonia

Eu admito que houve uma certa fusão das nossas salivas. Mas será que não é certo tratar esse vício pela saliva alheia apenas como um vício? Acho que por mais que tentemos, nada ia dar certo. Eu querendo o teu pescoço, você querendo a minha posse, nós dois querendo ganhar um jogo. Pois eu adoro jogos, mas com você os jogos não são mais tão divertidos. Não imagine que estou dizendo que não possa me divertir com você, muito pelo contrário. Só não posso mais me divertir contra você.

Hoje, nos olhos daquela menina, eu vi um convite. Pois os olhos eram lindos, o rosto era lindo, tinhas de ver como era perfeito o perfil daquele rosto. Mas há certas coisas que não saem das nossas cabeças. Minha cabeça é um bocado de jogos bobos, fúteis. E ao olhar aquela garota eu não pude pensar que aquele convite era para me ver sorrir, para eu fazer alguém sorrir. Eu vi, naqueles olhos, um jeito de eu vencer de novo.

Tudo ficou tão medíocre quando eu precisava da tua mão. E eu disse que sentia falta delas, como quem espera ouvir que essas mãos também sentissem saudades. Mas não, as tuas mãos foram fortes, foram o mesmo que as minhas precisavam ser. As tuas mãos já tinham outras mãos agarradas. Por mais que eu pedisse pra que largasse aquela mão, que você dizia não gostar, você disse que não, que antes qualquer mão do que a minha. Eu havia entendido, você ganhou, de novo.

Pois nós tinhamos uma harmonia. A harmonia era tanta que um dia, lá atrás, ouvi dizerem: "Vocês só foram feitos um para o outro... Tão bom vê-los juntos..."

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

O Sombrero

Pois no post "Sobre o layout novo" eu disse que meu silêncio proibia que eu dissesse quais eram as semelhanças minhas e as da galáxia Sombrero. Bom, silêncio feito, hora de escrever. O Sombrero, como disse outrora, é uma galáxia morta, já que brilha por brilhar, não por ter um brilho próprio. Tudo o que resta para aquela galáxia é morrer, afinal faltou-lhe "força" para continuar a existir.

O Silka, este menino gracioso que vos escreve, é o Sombrero. Quando eu mudei de verde claro para azul escuro e a foto do pôr-do-sol para a galáxia, eu passava por um certo momento de exaustão. Digo melhor, a exaustão tomou o meu ano, mas naquele momento eu estava preparado para admitir a exaustão. E, meu leitor, eu admitir era raríssimo, hoje nem tanto. Admito ferindo o orgulho que eu tenha de ferir, conquanto que eu fale. Pois bem, comecemos por um dia que eu quis casa.
Era um dia normal, pelo que eu lembre, a unica diferença é que eu via que não tinha chances de passar no vestibular. Tudo bem, todos os dias eram assim, mas naquele dia de agosto eu conseguia dizer com essas palavras: "Eu não consigo"
Eu pensei que o meu lugar era esta cidade maravilhosa que é Curitiba, não há lugar mais belo, portanto eu tratei logo de abrir mão dos meus sonhos impossíveis, pois, acima da força do sonho, havia um complicador chamado possibilidade do sonho. A possibilidade era remota, a mesma possibilidade de o cometa Hubble ser atingido por outro asteróide, não é que o cometa foi atingido?
Então eu dei aquele toque usual pra Daisynha: "Madre, quero casa." Ela fingiu não dar bola, daquele jeito dela que me faz ter certeza das minhas atitudes. Daí me veio a força que eu precisava: a esperança dela. A mãe, talvez fosse pela palavra dos pais-de-santo nos terreiros de Umbanda, conseguia me ver dentro daquela Escola. E se ela conseguia, eu lutaria. Eu lutei, sem nenhuma esperança, lutando pra conseguir por ela, não mais por mim.

Há um problema em você se carregar numa esperança alheia: você morreu. Pode parecer metafórico demais, mas é verdade, é como ser uma galáxia morta, que não tem mais "força" para continuar a brilhar. Eu brilhei por ter algumas estrelas acesas, não por estar sempre criando novas grandiosas estrelas que me pudessem iluminar a minha desesperança.

Pois leitor, um dia eu disse que algo em mim morreu. Esse algo era a galáxia toda, o funcionamento das coisas. Eu morri faz tempo.

Palavras inquietas

Pois me deu vontade de cuspir o que eu tinha pra cuspir. Falar um pouco das tuas atitudes que me emputecem, ou falar do jeito que você consegue tratar as coisas, como se fossem apenas parte de um pequeno jogo, um jogo estúpido. Talvez até seja um jogo estúpido, afinal, sou eu que sempre aumento tudo, faço de tudo para transformar tudo num maior transtorno. Tudo aqui é grande, o jogo é grande, não é estupidez minha.
Ou eu podia falar do que eu sinto. Poderia passar horas dizendo que você me completa, ou que você longe é melhor, ou que nos damos bem quando ficamos quieto. Afinal, quando ficamos quietos eu não me ouço, você não se ouve. É esse o nosso problema, eu sou você, você sou eu. É esse o grande complicador, somos iguais.

Mas eu acabei desistindo desse drama. Achei, por mais que eles achassem que se eu ficasse quieto tudo daria certo, que nos podiamos conversar um pouco, bater um papo para dar fim ao nosso tédio. Mas não, eles estavam certos, o nosso tédio é fundamental. Pois eu digo a você, calemo-nos, já que a tendência é ficar tudo azul, como tem de ser. Só não reclame da minha barba por fazer, ou minhas 48 horas sem tirar o pijama, ou do jeito inútil que eu empurro as coisas com a barriga, pois isso tudo eu aprendi contigo.

Tomara que dê tudo certo, feliz Natal.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Causa

Acordara num lugar completamente estranho. Tudo parecia antiquado demais, velho demais, destruido demais. Chegou até a cogitar se não havia sido transportado para outros tempos, mas não demorou tanto pra ele perceber que nada era razoável na cabeça dele. Ele pensava em arcos e flechas, crianças fugindo, um lago bem extenso e uma guerra, mas uma guerra medieval, corpo a corpo.

Entrou no quarto uma mulher gorda, quando digo gorda digo muito gorda. A mulher devia pesar uns 200kg, no mínimo. Pois mesmo enorme, seus olhos eram lindos, um azul claro tão claro que doia olhá-los. A gorda vestia um vestido florido, eram tulipas roxas, ele mesmo nunca tinha visto tulipas roxas, assim como nunca tinha visto uma senhora tão obesa, nem mesmo tinha visto um alce pregado na parede (que era até um pouco horripilante).
A mulher havia trazido um delicioso café da manhã, umas bolachinhas deliciosas e uma geléia de cor indefinível. Depois de devorar a comida olhou envergonhado para a mulher:
- Desculpe, mas a senhora, seria quem?
- Senhora Vullienot, Margot Vullienot. - A estranha mulher sotaqueava um francês muito estranho. - Senhor Winsc, o senhor ficará deitado por muito tempo? Meu marido está perdendo o pouco de cabelo que ele tem, diz que se você não melhorar as crianças todas serão devoradas. - Fez uma pausa de pouco mais de dois segundos, mas que para ele pareceu durar pouco menos de duas horas. - Pois bem, não sinta-se pressionado, apenas avise quando quiser tomar banho, daí chamo uma das camareiras para banhar o senhor.
- Eu posso muito bem tomar banho sozinho, levanto já, onde fica o banheiro?
- Banheiro?
- É, uma ducha? Ou só vou lavar o rosto em uma piá?
- Ducha... O senhor não está entendendo, imagino que não esteja bem, talvez seja melhor chamar o curandeiro. Com licença senhor. - A Senhora Vullienot saiu com um ar deveras confuso do quarto imundo.

Curandeiro? Guerra? Crianças devoradas? Onde estaria Gabriel? Ele lembrava de estar andando pelo centro da cidade, depois tinha aquelas imagens estranhas de flechas e crianças correndo. Ele perguntava o que estava acontecendo. Levantou da cama atrás de resposta e se viu nú e ensangüentado. "Meu... Deus... O que aconteceu? Onde estou?" Antes de o desespero o dar forças para berrar entrou no quarto um sujeito gracioso, mas acima de tudo desesperado. O senhor Vullienot era alto, forte, charmoso, muito diferente da sua esposa.
- Vejo que ainda sangras, meu amigo.
- Amigo? Quem... É o senhor? - Gabriel estava cada vez mais confuso.
- Vejo que ainda estás confuso, meu amigo. É, bem disse Margot, é melhor o curandeiro chegar logo, pois vejo que o nosso melhor guerreiro sofre da cabeça. Winsc, você precisa se recuperar. Sei que pouco vai adiantar, talvez até lhe faça mais confuso, mas preciso lhe dizer como andam as coisas: os Pormenodes ocuparam as redondezas, as crianças da periferias já foram devoradas, os pais estão com muito medo. E você sabe bem, os Pormenodes se alimentam de medo. Procuramos deixar as crianças no Centro da Vila, conseguimos fazer com que a guerra continue a ser travada no lago, como o senhor pediu.
- Deus...
- O que? Viu algo?
- Não, só não sei onde estou. Talvez eu nem saiba quem sou eu...
- Senhor Gabriel Winsc, Vila de Guillina, Condado de Lexin. Vamos?
- ... Não tenho outra alternativa... Tenho?
- Se você quiser ver crianças morrerem, pode ficar deitado.

Gabriel pôs uma espécie de roupa de batalha, daquelas que ele imaginava nos livros do J.R.R. Tolkien. O Senhor Vullienot deu-lhe um arco dourado, pesado demais pra ele pensar em manejar. Logo ao sair da casa viu-se num lugarejo longe de tudo: casas antigas, rua de terra, árvores, milhões delas, todas se mexendo com o vento forte que levava tudo que via pela frente.
Gabriel pensava em perguntar alguma coisa, mas nada lhe soava inteligente o bastante para de ele tomar coragem para questionar sobre qualquer coisa. No momento que ele abriu a boca surgiu uma espécie de vulto negro das sombras. Agarrou o pescoço de Gabriel e rosnou com uma voz que parecia animalesca:
- O seu lugar não é aqui... Volte pra onde veio, pois não há dignidade em lutar contra homens que não sabem das suas causas.
- Senhor Winsc sabe bem o que faz aqui, luta contra vocês, seus monstros covardes! - Senhor Vullienot sacou a espada da bainha e num movimento fantasticamente rápido atingiu o monstro.
- Volte daonde veio, seu maldito! - Gritou o bicho, que caiu ao chão morto.
Os olhos de Gabriel brilharam e ele caiu.

Ao abrir os olhos via um monte de pessoas ao seu redor. Ele deitava no chão enquanto um homem lhe segurava a cabeça no colo. Por mais que Gabriel soubesse que havia algo de errado, ele sabia que estava seguro, pois estava de volta a realidade: nunca ficou tão feliz em ver pessoas normais, prédios, feliz em sentir o cheiro nauseante da fumaça dos carros.
O homem era um médico, lhe disse:
- Garoto, pelo que eu entendi você sofre de algum tipo de disfuncionalidade temporal.
- O quê? - A cabeça de Gabriel latejava.
- O senhor... - O médico grudou os lábios no ouvido do garoto e cochichou tão baixo que mal era possível ouvir. - O senhor, senhor Winsc, não vai nunca mais voltar a Guilliana... E nós, os Pormenodes, vamos devorar todas as crianças daquela vila medíocre... Não se preocupe... Só esqueça... Você não pode fazer nada... - Ele olhou fundo nos olhos de Gabriel, que desmaiou novamente, sem entender nada do que foi-lhe dito.

Acordou mais tarde em seu escritório. Gabriel Winsc era advogado, nunca ouvira falar sobre o nome Guilliana ou Pormenodes... Só sabia que odiava as crianças...

Coisa boba

Havia mais do que uma relação intrínseca entre os dois, muito mais que o desejo ímpeto de satisfazer um pouco de todo aquele prazer insatisfazível. Pois eles diziam que era isso: sexo. Afinal, que mal há em dois seres de sexos opostos se juntarem para fazer nada mais do que sexo? Ao meu ver, meu moderno ver, não é nada mais que uma grande reza a Deus, afinal, Deus gosta de sexo, dizem que Ele é putanheiro.
Era um domingo qualquer, daqueles domingos que a televisão pedia pra ser assistida, o parque pedia para ser caminhado, a cama pedia para ser deitada. Mas ele não aceitava aqueles chamados domingueiros, ele esperava fazer alguma coisa especial, sentou-se naquela cadeira velha que servia somente para os domingos (já que aos domingos ele experimentava fingir pensar no que fazer, mas nada fazia além de ficar sentado) e esperou, pois era o esperado dele aos domingos: esperar. Mesmo sabendo que não devia de fato esperar, pelo fato de não haver mais esperanças para toda aquela espera, o telefone tocou. Quantas vezes ele perguntou se um dia o telefone tocaria, possívelmente seria um domingo fantástico! Era ninguém mais ninguém menos que a Marcia, ah, amável Marcia. Marcia era uma telefonista da Embratel, perguntava se ele queria algum tipo de serviço que o fez pensar algo parecido com: "que caralho, desde quando telemarketing funciona aos domingos? será que não nos dão mais folga?"

Ao encostar o seu traseiro magro na cadeira velha ouviu a campanhia tocar. Talvez ele estivesse certo, o domingo seria diferente dos normais domingos, ou também poderia ser o Sedex que ele esperava da mãe, pois já que o telemarketing funcionava aos domingos, o correio poderia funcionar.
Nada, era a mais interessante fêmea, a mais faminta fêmea. Ela fazia 19 anos em março, não queria compromisso, muito menos sentimento, mas queria se divertir com o que ela tinha no peito (além da atração que aquele peito fazia sobre a boca dele). Ela sentia, mas não sabia admitir, ele não se importava, deram as mãos e rumaram ao quarto. Era incrível vê-los juntos, um misto de paixão adulta com paixão infantil, os dois pareciam dois amantes profissionais, mas também duas crianças brincando da mais pura forma. Era o sentimento, tudo que ela evitava.

Um dia a mãe descobriu o relacionamento pecaminoso dos dois. Pois não é que a velha a fez sumir? A menina era tola, jovem e acima de tudo muito corrupta. Não custou caro para a mãe comprar o sumiço da garota. Ela disse que tinha que ir embora, estudar, quem sabe fosse para fora do país, ou visitar os pais, sei que ela inventou alguma mentira boba que a fez nadar em um pouco mais de 4 mil reais.
Ele, entretanto, não gostou da brincadeira da mãe. Aonde já se viu gastar 4 mil reais numa criança boba? Ele disse:
- Como és tola, mãe. Se soubesse que era tão pecaminoso para você eu me ofereceria para ser comprado primeiro. Não quero nem imaginar o que você vai pagar pra sua secretária.
- O QUÊÊÊ?
- Um carro mãe, dá um carro que eu sumo da cidade.

Ele nunca mais viu a mãe, nunca mais viu sua paixão. Mas não se importava muito, já que a mãe era só mais uma carcereira na vida dele, e ela era só mais um sexo casual por quem ele era apaixonado. Obviamente, inúmeros outros cárceres e sexos casuais por quem ele fora apaixonado surgiram na vida daquele moleque inconseqüente. Pois independente das inconseqüencias, ele se divertiu.

sábado, 20 de dezembro de 2008

Santo Antônio

É da minha natureza difamar todo e qualquer santo católico. Eu sou assim, vou difamando santos, vou vulgarizando Deus, vou esquecendo a minha cigana. Sem esses ícones religiosos vou perdendo a crença, daí a fé. Tão desgastante perder a fé...
Também sou assim, um ciclo vicioso, uma espécie de respiração: ora expiro, ora inspiro. Desmetafóricamente: ora cético, ora religioso. O ceticismo advém dos passos que contei ali em cima. A religião, da necessidade.
Deus deve odiar esse tipo de credor: crê quando quer crer, não quando deve crer.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Bitchin

Acho que esse é a minha briga com a religião. Todas dizem bem claro sobre quem dar, receberá. Quando eu era Wicca eu acreditava numa tal de Lei Tríplice; quando você apontar o dedo indicador pra frente seus outros três dedos voltam pra você: Tudo o que você desejar para alguem, será devolvido em três vezes. Então eu procurava sempre fazer o bem, desejar o bem, ser o bem. Talvez fosse só mais um pouco do meu egoísmo, enfim.
Pois bem, sorte que sou homem. Imagino que se eu fosse mulher eu seria uma vagabunda. Explico, eu dou muito, dou tudo do melhor. Eis a briga, dar, mas nunca receber. É sempre lutar, é sempre fazer, é sempre dar, mas eu não vejo muito de receber. Eu estou sendo exagerado ao dizer que eu não recebo, pois eu recebo, mas há certas coisas que lutamos para recebermos e que nunca, por mais que demos, recebemos.

Há um Deus, inexorável, ou não? Já me pergunto se não há um Sol, uma Lua.
Há um tempo, permanente, ou não? Já me pergunto se não há um Hoje, apenas Hoje.
Pois bem, cansei de dar.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Ombros

Ela não era bonita.
Não era verdade que era feia,
Só não era bonita.

Mas tinha os ombros
Mais lindos que meus
Olhos já tinham visto.

Admirava-os como quem
Admira a Serra do Mar,
Virgem e intocável.

E me sentia criminoso,
Desejando desvirginizar e tocar
Aquelas terras desconhecidas.

Imaginava os lábios
Rastejando sobre a pele,
Viajando de pinta a pinta.

Pois bem, não era bela,
Mas os ombros...
Esses eram maravilhosos...

Abstêmio

"A abstinência é a renúncia voluntária à satisfação de um desejo ou necessidade."
Lalande, 1993

Pois há quem diga que a abstinência é sofrida. Mas eu refuto, não é sofrida. Na realidade, aos meus olhos, a abstinência é um pouco de auto-consciência, de auto-evolução.
Estava com os amigos, divertindo-me como normalmente, daí recebo um convite, que há um ano atrás era o convite mais corriqueiro possível: vamos sair para beber? Então eu aceitei, já que não há nada melhor que aproveitar as férias como elas são: férias. Mas fui refletindo, filosofando, e por mais que eu tenha um bocado de lembranças (ou pedaços de lembranças) boas de todas aquelas deliciosas tequiladas, eu não sinto falta. Se não sinto falta, não preciso; não há motivação para eu me ver viciado novamente.
Talvez eu possa soar um tanto puritano, ou até mesmo medroso, mas não se trata de pureza, de religião, ou até mesmo de medo; trata-se de uma não-necessidade. Deus nada tem a ver com a minha revirginização, ou mesmo com a minha sobriedade. E não tenho medo de reexperimentar os melefícios a ponto de tornar-me necessitado desse vício. Não é nada disso, é apenas um "estou bem como estou".

Pois se eu lhe contar, meu leitor, que até mesmo dos jogos eu cansei, você acreditaria? Fiquei farto daquele jogo unilateral de ser o mais forte, de evitar dizer sentimentos por puro orgulho. Unilateral por só eu ser o jogador, do outro lado não tinha nada além duma idealização dum rival que buscava vencer, assim como eu fazia. Que tolo, não houve rivalidade em momento algum, eu criei uma guerra imaginária.

Então eu lhe digo, que dei fim aos desejos, às vontades. Talvez até eu me sinta monótono, mas que há de mais aconchegante que esse sentimento de segurança?

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Natação

Pode parecer um pouco de indiferença minha quanto às surpresas da mãe. Não é indiferença, é um misto, sempre misto. Primeiro que não sei demonstrar surpresa, descobri isso no meu aniversário, festa surpresa; segundo que tenho pensado muito em merecimento, e eu não merecia surpresa alguma. Pois bem, é nessas horas que penso que Deus deve ser um tanto irônico, deve gostar de rir dos humanos, afinal, não teria outra explicação para Ele nos dar coisas que não merecemos, mas o que merecemos Ele não nos dá.
Eu sabia que fracassaria, sabia faz tempo, mas não desisti. A luta é necessária e, acima de tudo, muitíssimo mais importante que a fé e a esperança, então eu lutei. No final das contas, mesmo sabendo que fracassaria, senti que fui impotente, aliàs, sinto que muitas pessoas vão sentir o mesmo ao me ver. Daí da impotência mudo pra prépotencia, já que digo "me contento com o que tenho". Acontece que o que eu tenho é grande, é forte, portanto vê-se que eu penso prépotentemente, pensando que o que eu tenho é pouco, não suficiente.
Então te digo, meu leitor, que eu também sou fraco e forte. Fraco por não lutar até o fim, me sentir vencido antes mesmo de ter realmente perdido, mas eu tenho explicações, eu sabia que não dava, se eu fizesse a prova eu corria o risco de procurar o meu nome na lista de aprovados e não lê-lo, seria catastrófico! Forte por ter lutado todos esses anos, que por mais que pareçam inúteis, já que eu não passei, foram essenciais na minha formação como gente, além de ter me posto outra faculdade na minha frente.

Ainda que eu tente por tudo na mesa, os pontos fracos e fortes, não consigo deixar de me sentir um nadador transatlântico, que se preparou para a travessia do oceano, nadou, nadou, nadou, mas morreu na praia. Vai ver é por eu ser como um atleta pré-adolescente, por mais que eu treine, jamais vou me acostumar com o meu corpo desengonçado que cresce sem parar.

Eu, meu leitor, morri.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Lutar

"Não prometo vencer, mas lutar; trabalharei com alma."
Machado de Assis

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Monstro

O medo é a primeira sensação humana, a mais instintiva delas. Quando somos crianças criamos nossos monstros de modo a concretizar a abstração que é o medo. Talvez seja necessário que a criança tema seus monstros, já que o sentimento medo é tão presente, mas ao mesmo tempo tão complicado, portanto difícil de ser entendido por um pimpolinho.
Quando vamos crescendo, nossos medos vão sendo mais reais, mais vivos, ainda que menos concretos. Os monstros de outrora passam a ser situações: dinheiro, violência, dentre outros (dentre outros é: tenho preguiça de dar exemplos).
 
Quando eu era criança, meu monstro era o Velho-do-Saco. Ok, o monstro não fora criação minha, foi a vó que contava que o Velho pegava as crianças ruins. Pois eu tentava ser uma criança boa. Aliás, a vó também dizia que na presença das crianças boas os sábias cantavam, os sabiás adoravam cantar para os bons meninos. Pois eu tinha motivos prá ser bom: Velho e sabiás.
 
Quando eu sou esse moleque, meu monstro não é mais o Velho-do-Saco, ou o Monstro-da-Escada, ou fantasmas. Meu monstro é muito mais assustador. Eu costumo não pensar sobre, pois quem pensa sobre seus medos fica nervoso. Em meio de evitar a fúria das borboletas no estomago eu não penso. Acontece que estamos na véspera, é hora de pensar. Meu monstro vem me perseguindo durante esses três ultimos anos. Pois bem, já que não podemos fugir, lutemos.
 
Maldito vestibular...

domingo, 7 de dezembro de 2008

Domingo

Quando me pergunto do merecimento penso nos domingos. Afinal, os domingos valem por dois dias da semana, portanto uns de 20% de trabalho a mais.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Vazio

Há sentimento mais incômodo que a vontade de mãe?
É incômodo por aniquilar todas as outras vontades, desde dormir a se divertir.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Poker

Queria saber jogar poker. É um jogo tão belo, tão inteligente, além de carregar aquela imagem rica, nobre.
Pois bem, um dia me disseram: jamais vicie-se em jogos, pequeno Du, pois os viciados não encontram lugar ao Céu.
Agora, numa reflexão rápida, percebi que evitei aprender o jogo pelo lugar ao Céu. Acontece que eu já tenho tantos outros vícios...

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Sabiás oprimidos

As cigarras que aqui gorjeam,
Não gorjeam como lá.
Aqui não se calam por um segundo!
Malditas, será que não conhecem o respeito pelo silêncio?
Será que não sabem que gostamos é do canto das aves?