sábado, 8 de março de 2014

À Lua

A garota estava deitada no sofá, cabeça nos braços de lá, perto da janela, meio adormecida. O cara estava na outra ponta do sofá de quatro lugares. Ele tinha uma aparência de bom moço, educado.
Já passava da meia noite, então era dia 8 de março. Ele olha para ela e diz, sorridente: "Feliz Dia da Mulher" e ela responde com um sorriso largo cheio de orgulho "Que cavalheiro! Ele lembrou!" e o resto de nós cinco homens ficamos constrangidos, como se nenhum de nós tivéssemos lembrado do Dia Internacional da Mulher.
Dia da Mulher e cavalheirismo me soam tão machistas. E meu rosto ficou vermelho com esse pensamento, sorri a ela e com o sorriso sincero "Muito parabéns. Vocês todas merecem."

Eu sinto vergonha no Dia da Mulher.

Queria andar com uma camiseta que dissesse "Não vou parabenizá-las pelo seu dia, mas vocês são a essência desse universo" ou qualquer coisa piegas assim. Eu sinto vergonha, porque acho que preciso explicar pra elas todos os anos que eu não acredito no Dia da Mulher.

Pra mim, é difícil assimilar o Dia da Consciência Negra à consciência e à igualdade. Na minha cabeça, ele quer dizer "Hoje vocês devem lembrar que os negros merecem todo o respeito do mundo!"
Mas eu não queria pensar assim.
Queria crer que é um dia de comemoração ao progresso do respeito. Que progride lentamente. Mas progride.

Meu primeiro contato com Deus foi através de Harry Potter. Aos onze de idade, a saga de J.K. Rowling me fazia acreditar na magia do mundo. Me tornei bruxo. Wiccano. A religião Wicca é politeísta, tal que o Deus Supremo se divide em quatro deusas diferentes, as quatro fases da Lua. Meu primeiro Deus era mulher. Minha primeira religião era matriarcal, não feminista, embora crê-se que a natureza se divida em masculino e feminino e a união dos sexos gere o equilíbrio, tal como o yin e o yang. Mas o paganismo foi subjugado. O patriarcado religioso tomou conta do mundo. Deus é homem e o primeiro homem é homem e a mulher vem do homem.

Eu sinto vergonha por não conseguir expressar meus verdadeiros sentimentos. É impossível traduzi-los ao português sem tornar as palavras rasas, automáticas e vazias. Até porque, sou homem. E o homem comum - jargão que também não consigo encontrar sinônimo sem ser generalista - nunca vai saber o que é ser uma mulher. Mas um fato indiscutível é que a mulher não é inferior ao homem. Constatação óbvia, mas que é esquecida nas folhas de pagamento ou na expectativa de resposta emocional ou habilidade física e motora ou qualquer outra coisa que os homens sempre fazem melhor como trocar um pneu sem ter medo de se sujar.

Eu não posso parabenizar as mulheres por serem mulheres. Pois cada ser humano tem a sua própria sorte de viver; às vezes a sorte é boa, às vezes má. Mas posso sentir orgulho de todas as mulheres que são donas das suas próprias belezas e daquelas que lutam pelos seus direitos e por aquelas que vivem com naturalidade a quebra do machismo incrustado na sociedade. Mas o orgulho que sinto não me é suficiente para acreditar no dia delas.

Desculpem-me todas, mas me escondi em casa nesse sábado pra não ter que ver nenhuma delas, pois da minha boca não sairia nem o Parabéns, nem a justificativa da falta. Só o silêncio néscio que, sem querer, diz que hoje foi mais outro dia qualquer.