terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Força de vontade

Eu tinha preguiça de tudo. Vontade de dormir, mas eu tinha acabado de acordar. Não pensava em me mover, fazer qualquer coisa de útil, ou de inútil, que seja. Só pensava em duas coisas: ir à academia e fazer sexo. Não sou viciado em academia, nunca gostei de academia, mas meus braços finos estavam grossos e eu não queria que eles afinassem novamente, não era um culto ao corpo, mas era um culto ao meu tríceps. O sexo eu era viciado, era por isso que eu desejava-o. Enfim, o tempo passava e eu nem notava. Eu não fazia nada para os meus braços voltarem a crescer, nem tinha ninguem para satisfazer os prazeres da carne. Eu pensava comigo: será que a mãe precisa de mim para alguma coisa? E eu continuava deitado na cama, lendo o meu Misto-Quente (1982, Charles Bukowski), esperando que alguma coisa acontecesse, torcendo para que o sono não tirasse a minha atenção do livro.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Profissão: escritor

"Eu era um jovem, passando fome, bebendo e tentando ser escritor. Nada do que eu lia tinha a ver comigo. Eu tirava livro após livro das estantes. Por que ninguém dizia algo? Por que ninguém gritava? Então, um dia, puxei um livro e o abri, e lá estava. As linhas rolavam facilmente através da página, havia um fluxo. Cada linha tinha sua própria energia e era seguida por outra como ela."
Charles Bukowski sobre John Fante.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Animal I am

Ele entrou na igreja berrando por perdão. Jesus olhou para ele com aquele olhar melancólico de sofrimento, pingando sangue no chão do altar enquanto ele esperava morrer pendurado na cruz.

- Você se julga perdoável?
- Não sou eu que julgo, é o Senhor.
- Filho, Jesus perdoa, pois é tolo. Jesus perdoa, pois sofre por toda a pilantragem, a fraudulência, a malícia de vocês, humanos.
- Isso quer dizer que me perdoa?
- É óbvio que te perdôo, é a minha função te amar, sobretudo, independente dos teus erros. Mas me diz uma coisa, na sinceridade, você se julga perdoável?
- Eu julgo que não mereço o seu perdão, Pai.
- Como não?
- O Senhor perdoa, pois sofre pelos humanos. E por nós?
- Animais? Bestas?
- É...
- Não és uma besta, meu filho.
- Acho que sou, Pai. Não sei mais ser gente.
- Eu lhe perdôo, pois você é gente, ainda que tenha se esquecido disso. E você? Se perdoa?
- Não me sinto culpado, mas me culpo por deixar os pilantras, os fraudulentos e os maliciosos me transformarem nessa coisa animalesca. Pai, não quero mais ser por quem você sofre.
- Era o meu receio. Não te perdôo, pois você podia ter se tornado um anjo.
- Como?
- Você não queria ser mais gente, então escolheu ser besta. Podia ter escolhido ser anjo, jamais precisaria chorar nos meus pés ensanguentados.
- Anjos não tem sexo, anjos não pecam, anjos não são felizes.
- Você é?
- Eu tenho sexo, eu sou pecador, me basta. Estou vivendo.
- Então viva, sozinho na escuridão. O Diabo não dá apoio às bestas como Deus dá aos anjos. Seja essa besta solitária que se alimenta das vulgaridades. E se um dia quiser perdão, se um dia quiser ser gente, venha aqui.
- O Senhor não está morrendo?
- Estou, mas a tua vida é mais curta que a minha morte.
- Por quê?
- As bestas vivem rápido e brevemente. A minha dor é eterna. Espero que você me busque antes de sucumbir.

Levantou-se e partiu, sem falar uma palavra. Acabou esquecendo que um dia falou com o filho de Deus, ou que um dia sentiu amor, ou que um dia foi alguém. Endiabrado, criou o seu inferno, mas viveu bem, comeu bem, se sentiu bem. Sozinho, mas bem.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Drama

E sorri. Sem mais. Só acho que demorou para acabar.

Você vai dizer às amigas que o sexo nem era tão bom

Embriagado pelo poder, eu ia cambaleando pelas ruas escuras. Não me preocupei se a chave ainda estava no bolso, nem com a possibilidade de eu ser assaltado àquela hora da madrugada, só andei sem sentido, me encostando nos postes para respirar.
Eu sabia que estava na rua errada, no bairro errado, na cidade errada, no estado errado. Mas não me assustei, talvez tenha me feito rei, imperador, ou algum megalomaníaco do gênero. A chuva escorria pelos meus cabelos oleosos enquanto eu ria-me das desgraças alheias, pois eu era invulnerável e não sofria de desgraças.
Cheguei numa praça nova, onde um grupo de drogados me esperava, convidando-me para uma dança calorosa. Basta-me de drogas, ou de sexo, ou de rock'n'roll, eu dizia. Clichê, era óbvio que iam apelar para a minha sexualidade supostamente fragilizada pelas minhas escolhas. Beijei a bela moça que vomitava na calçada, ela riu e abriu minhas calças.
Sinceramente, não tive vontade. Acontece, uma ou duas vezes por ano. Esse viciado por sexo sossega. Eu sei, é quase impossível, mas acontece. Mandei-os que me buscassem uma bebida, um carro, que me fizessem massagem. Eu, rei, não ganhei nada além de um veneno que destruia os figados daqueles porcos bastardos.
Segui em frente, virei a esquerda, depois a direita. Talvez eu nem tenha virado para nenhum lado, não que essa informação seja relevante. Deitei na poça de água que tomava a rua e chorei. Deixei que as lágrimas se escondessem nos pingos da chuva que inundavam o meu rosto. Depois eu ri, me sentindo sozinho, dessa vez vulnerável até às sombras. Me escondi num canto e esperei o dia amanhecer. Que belo amanhecer...