domingo, 22 de maio de 2016

O bebê

a sorridente e solidária mulher
que me parecia um pouco santa
e um pouco mãe
me deu o filho
da puta
nos braços
pra eu carrega-lo
na nossa procissão

loiro
de olhos
azuis
parecidos
com os da minha
gata persa
ele me olha

se inclina pra trás
para me ver inteiro
me estuda
eu converso com ele

gosto tanto dele
e gosto da mãe dele
mesmo que dele
não tenha
podido cuidar

agora a mãe trabalhava
num mercado

"que bom que saiu das ruas"

ele gosta de mim

aninha a cabeça na minha
barba
como um canarinho
enquanto eu ajeito ele
na minha
cintura

eu gosto dele

ele tenta pegar as folhas da trepadeira da grade
rente a escadaria que subimos

lá em cima o ar é diferente

e eu gosto dele

domingo, 31 de maio de 2015

Evolução

e de repente eu não sentia mais vergonha das minhas lágrimas
pois eram todas de orgulho ou compaixão

domingo, 26 de abril de 2015

Amor

é estranho esse apego à sobrevivência
quase cômico
tragicômico

eu e a vida tivemos nossas diferenças
nossos desentendimentos
e desconfortos

toda a morte morando em meus intestinos
esperando dar o bote na vida como uma cobra que se esconde nas curvas do longo trajeto do cotidiano
dormir acordar e morrer

e a morte se disfarçando em realidade pura e plena
nos meus estômago e mente
minha mente enfraquecida e submissa

me apego numa paixão cega
infinita
esperança

e os olhos se enchem de lágrimas que se recusam a escorrer
água e sal de orgulho absoluto e analítico
pela consciência de saber que vivo e existo

e amo

lutar pela vida
fugir do fim
rotacionar em experiências novas como uma bailarina que cai e levanta

escolher um Deus finito que cabe em mim
que é o significado da vida
e do tempo cronometrado num relógio esquecido

horas e horas que se juntam pra não chegar num fim
a vida eterna
o universo vivo
o futuro das coisas
a grandeza de ser
o fim da corrupção e da discórdia
o começo de algo velho

minha vontade de viver
pra todo
o sempre

segunda-feira, 2 de março de 2015

Etéreo

IV

Limitando dessa maneira, nossa pesquisa à imagem poética em sua origem a partir da imaginação pura, deixamos de lado o problema da composição do poema como agrupamento de imagens múltiplas. Nessa composição do poema intervêm elementos psicologicamente complexos que associam a cultura menos ou mais distantes e o ideal literário de um tempo, componentes/

Subo os olhos. Eu sempre subo os olhos. No meio das frases. Num ponto final qualquer. Pra depois eu me perder nas palavras. Nos ritmos dos espaços. Procurando a última palavra. Enfim, sinto o ônibus arrancar, subo os olhos e vejo um homem. Abaixo os olhos. Tenho a impressão que ele me chama a atenção, então não procuro palavra alguma, mas levanto os olhos novamente. Ele mimetiza meus fones de ouvido enquanto balbucia palavras inaudíveis aos meus ouvidos enterrados de música. Dogs, do Pink Floyd, se lhe causa curiosidade. Retiro os fones.
"Esses computadores... (sorri largo)"
"Como?" Ele dá uma leve gargalhada. Deixa seus pertences no assento da fila da frente, o da esquerda. Eu continuo sentado na janela, com meus pertences no assento ao meu lado. Ele em pé.
"Esses computadores. Nojentos. Inúteis. Esses lixos" Fala com ódio, acumulando baba nos cantos das bocas. "Vou até ficar de pé (e sorri). Você conhece o garoto que venceu o computador?" Só que eu não faço ideia do que ele falou.
"Difícil vencer os computadores" Pensei em dissertar sobre como as tecnologias tomaram conta das nossas vidas. Mas ele é mais rápido.
"Pois o garoto venceu. Tinha 22 anos na época. Hoje é político na Rússia."
Eu sorrio. Não faço a menor ideia do que ele está falando.
"Qual é o nome do garoto?" Ele me pergunta.
"Que garoto?"
"PFT PFT" Ele faz com a boca um som que parece a de um bico de pneu sendo pressionado, largando ar comprimido para a atmosfera. "O que ganhou do computador."
"Não sei."
"Como não sabe? Você é burro?"
Eu respondo com um sorriso sincero. Olho em volta. Fico me perguntando se aquele homem realmente existe.
"Garry Kasparov. PFT PFT" Ele tinha as duas mandíbulas alinhadas, formando uma parede de dentes amarelados. Era impossível entender o que ele dizia.
"Quem?"
"Você é formado em que?" Me olha zangado.
"Arquitetura. Sou estudante."
"Universitário e não sabe quem é o Garry Kasparov." Essas palavras saindo duma boca sem muita dicção.
"Não sei quem é."
"COMO NÃO SABE? VOCÊ SÓ PODE SER BURRO!" Ele sorri. Eu devolvo o sorriso. Agora eu tenho certeza que ele não existe. Eu consigo ouvir as pessoas cochichando e rindo. Tenho certeza que estão rindo da minha conversa com o ar. O Ar em pé, eu sentado.
"Não sei."
"Sim. Só pode ser burro. Garry Kasparov. Certa vez joguei com (e esse nome eu realmente não faço a menor ideia). Empatamos." Solta um sorriso orgulhoso. "O garoto tinha 19 anos quando foi campeão de xadrez."
"Ah, xadrez."
"Sim. Xadrez. PFT PFT" Ele sorri.
"O senhor joga?"
"Por toda a minha vida."
Eu sorrio.
"Muito dos campeões são muito novos. Não tenho medo de perder. Muito menos pra essa geração mais nova. Eu quero que todos eles me superem. Isso significa que a humanidade evolui."
Eu consinto em silêncio.
"Certa vez eu ganhei do computador. PFT PFT. O computador é uma máquina burra. Um lixo. PFT PFT. Eu fui lá pra Manaus, me comunicava com um pessoal da Universidade Federal de lá. E fui convidado pra participar de um jogo contra o computador. Eu sou o locutor aqui. E você meu interlocutor, certo?"
"Certo."
"Certo. E quando você é o locutor, eu sou o interlocutor. Pois eu e o computador estávamos num jogo de locutor e interlocutor. Então eu sabiamente lhe pergunto qual é o feminino de papa. E o computador não sabe. O computador não sabe porque o programador dele é burro. E ele precisou de um dicionário pra saber que eu tinha ganho. Você sabe quais são os modos do papa?"
(Modos? Que porra esse cara tá falando?) Eu sei que ele não existe. E eu já me sinto confortável em conversar sozinho no ônibus. Mas fico me perguntando se ele faz parte da minha imaginação ou se ele é um espírito. Fruto de sinapses absurdamente ativas ou o simples vagar de um morto pelo mundo dos vivos? Me preocupo. Se ele for um morto, ele pode ficar comigo pro resto da minha vida. Eu não quero isso. Eu penso "Será que ele não vai desaparecer?"
"PFT PFT. Qual é o modo, guri?" Ele vocifera. Ele não desaparece.
"Não sei."
"MAS VOCÊ É MUITO BURRO! O juiz tem, o promotor tem, a presidenta tem. O papa também tem. Vossa Santidade. Vossa Santidade não tem sexo. Mas a instituição. O canonismo (E as palavras dele são praticamente inaudíveis. Não pelo efeito dos fones de ouvido, mas das mandíbulas alinhadas) O réptil em espécie é a cobra. Existe a cobra macho e a cobra fêmea. Existe o cobro?" Eu não entendo cobro. Cobro? Nunca ia imaginar que ele disse cobro.
"Quê?"
"Como assim o quê? Eu só posso estar falando sozinho." Ri de vexame, olhando para o lado. Eu sinto que ele não existe. Mas eu consigo ver tão claramente os vincos das rugas marcadas na pele negra. Vejo seus cabelos brancos penteados para trás. Vejo os olhos através dos meus óculos e dos óculos dele. Percebo sua camiseta vermelha, de supermercado, suas bermudas. Não sei o que veste no pé. "Qual é o réptil em espécie?" Mas pense. Eu não consigo ouvir ele. Eu não faço ideia sobre o que ele está falando de novo.
"Réptil?"
"A COBRA! NÃO EXISTE COBRO!" Ele grita irritado. Eu sorrio um sorriso sincero e sem vergonha. Eu não tenho vergonha.
"PFT PFT. Você sabe o feminino de papa?" "Não, não fala." Eu penso em dizer que dizem que Joana D'Arc foi papisa na França, depois do Cisma do Ocidente. Mas não falo. "O papa mulher nunca existiu. Mas eu respondo o óbvio: papisa. E o programador tem que checar no dicionário. É muito burro. Ele é um programador burro e eu ganhei do computador dele."
Jesus.
Eu sorrio largo. 
"Agora você me pergunta: João de Marquês, qual é o seu grau de instrução?"
Eu espero ele responder.
"Pergunta!"
"E qual é o seu grau de instrução?"
"Quarta série. Estudei só até a quarta série. Mas eu leio muito. Estou lendo sempre." E fala um monte de nomes que suponho que sejam russos. Eu mal consigo ouvir a frase "Quarta série", quanto mais autores russos.
"E durante a vida, o que o senhor fez?"
"Como assim?"
"Imagino que seja aposentado. Qual foi a sua função quando era um trabalhador?"
"Sim, aposentado. Tenho 70 anos. Trabalhei nas maiores fábricas do mundo. E não digo aqui no Brasil. Viajei o mundo todo. Trabalhei em duas empresas americanas, uma francesa e uma italiana." Eu tenho certeza que ele não existe.
Uma garota muito bonita passa pela catraca. Usa headphones. Ela olha para o senhor meu amigo imaginário e lhe pede licença com um sorriso simpático. Olha para mim e também sorri. Senta ao lado dos pertences do amigo.
Caralho, ele existe.
"Meu ponto é logo ali. Não posso perder."
Eu sorrio largo. Ele é real e some. Não que eu não estivesse aproveitando nosso dialogo, é que não queria levá-lo pra casa como encosto. Leve em consideração minha educação religiosa espírita.
"É assim que uma pessoa se educa. Não tenho medo de ninguém. Pode vir engenheiro, médico, juiz, presidente. Sei de tudo. E fico muito feliz que eu tenha esse hábito. Meus filhos são militares. Mas comigo não tem casca grossa não. Eu sou a casca grossa. Eu era militar na época do nazismo. Fui comandado e comandante de..." E o balbuciar me remete a nomes alemães e russos.
Ele olha para todos os lados, numa performance teatral. Olha todas as janelas, todos os sentidos.
"O MEU PONTO!"
Estendo-lhe a mão.
"Não, acho que vou ficar aqui, conversando com você."
Eu sorrio.
"Não. Vou sim. Muito prazer. Você fala com João de Marquês e eu fico muito grato por você ter participado dessa agradável conversa. Como é seu nome?"
"Eduardo Silka." E apertamos mãos e trocamos sorrisos.
Ele acena para todos no ônibus. Diz "Tchau, pessoal."
Ele desce no ponto e uma histeria toma conta do ônibus. Os risos não são contidos.
Solto mais um sorriso muito largo. Fico me imaginando com 80 anos, perdido nas minhas memórias e no meu conhecimento. Conversando com estranhos sobre assuntos estranhos. Completamente maluco. Mas ao invés do rosto liso dele, minha pele se cobriria com uma enorme barba que cobriria a minha barriga. Confundindo a sociedade com minha pele dúbia de mendigo e de profeta.

... .... ... /o ideal literário de um tempo, componentes que uma fenomenologia copleta deveria sem dúvida examinar. Mas um programa tão vasto poderia prejudicar a pureza das observações fenomenológicas, decididamente elementares, que queremos apresentar. (...)

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

O universo e boa parte do fim

hahahaha
piccolli piccolli piccolli

hahahaha

o canto da mesa
o celular
estas letras
o mouse

o branco

hahahaha

agora
ficou
preto

ha
vi
a

o
que
aqui?

o homem ou a galinha?
o homem ou o rato?
quem veio primeiro?
a doença ou a morte?

hehe

os cílios brilham

só brilho

só cílios

2
3
5
e o food network finalmente abre as portas para o brasil



esqueci

e lembrei


lembrei de tudo



não tenho medo



de acordar
amanhã






Pra onde foram as histórias?

Eu devo ter alguma aqui.

Vamos lá.

Começamos com uma rua escura.
Vazia.
Faz frio.
A rua é larga.
Os prédios formando dois paredões de edifícios de tamanhos padronizados.
6 andares

.

Eu lembro quando eu tinha medo. Morria de medo. Tinha medo do silêncio. Tinha medo das pessoas.
Morria de pavor dos jovens. Eles todos me assustavam. Os velhos sujos também. Os bêbados principalmente. Medo de multidão. De carnaval. De futebol.
Eu tinha medo dos homens.
Só dos homens.




Mas eu não tinha mais medo. Acabou. De uma noite pra outra.

Como eu odiava os homens.

Não odeio mais.
Não odeio ninguém.


Voltamos.
Pra história, é claro.

Cheguei ali do mesmo jeito que meu medo foi embora. Medo embora e foi a alma e todo o resto. Cada um prum canto. Eu pra cá.
Eu vim com amor, também.

Respeito amor como respeito Deus.






A história.

Que preguiça...

Podemos falar sobre outra coisa?



Queria que fosse sobre a Rússia e a Ucrânia. Sobre Grécia, Espanha e Portugal. Sobre a Alemanha. Sobre a Islândia, a Noruega e a Dinamarca. Sobre os Estados Unidos e o México e Cuba e todos os pequenos países do Oriente Médio e do sul da Ásia.
Queria que fosse sobre a Venezuela. Sobre a Argentina.
Queria mesmo é que fosse sobre o Brasil. Sobre a Dilma.



A história é longa e não é nova.
Está aí.






Eu lembrei.

Era alguma coisa com rancor. Ou sobre amor. Ou sobre... Acho que traição. Respeito?
Respeito. Respeito é bom e todo mundo gosta.
Só não gosta quem não sabe o que é.
Pois era sobre mulheres.
E sexo.
Afinal, tudo tem um começo.




Mas juro que não lembro a rua.
O que tinha a rua?


Que confuso.


Deixa pra lá...


Eu lembro das ruas.
Das ruas escuras.
Das ruas vazias.

As vezes nem lembro das vozes.
dos rostos.
dos cheiros.
dos nomes.

As vezes eu nem lembro de nada.

Só das ruas vazias.





Era sobre liberdade.
Sobre pular de paraquedas.
Sobre limites.
Sobre medo.





Vou contar a verdade.
Estava com preguiça de organizar meu cérebro sozinho.
Me senti abusivo e abusado. Deixei o coração tomar conta do dia.

O coração
Bate
Sem
Saber
Porque





Me dói arrancar essas linhas de sinceridade. Sinceridade. Era sobre sinceridade.
Era sobre mulheres e sexo e sinceridade.
Foi assim que tudo começou.
Sim.
O amor foi embora.
Depois ficou só o medo.

Daí veio a maconha.
E voltou o amor.
E foi embora o medo.

O cérebro é muito mais rápido.
O peito dói.




Que idiota.
Preguiça de quê?
A vida tão boa.
Te aquieta, não zoa.
.....      . buquê
/minha nota




(Nota mental.)







Sabe. É difícil pescar os pensamentos que rodam e rodam e rodam.
São tantos que eu nem sei onde colocar.

As vezes as palavras vem soltas.

As vezes pego as primeiras, mas perco as do final.





Era sobre religião.
Mas parece que é melhor não falar sobre religião.
Eu sou daqueles que não quero ofender Deus nenhum.


Que saudade quando eu venerava-Os todos.


Era sobre amor, mas acho que não é mais. O ponto foi provado. Amor existe.

Paixão.
Nunca foi sobre paixão.







Já hoje. A paixão sou eu em plenitude.







Mudei. De novo.
Como é bom.
Mudar.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Cirrose e uma dose de ânimo

Silêncio

Parece que estou em pânico

Eu não sei bem como é estar em pânico

Lembro de tantas vezes que senti o maior dos medos
E esses medos eram tão intensos

Meu medo não é intenso

Meu medo é constante

É o meu estômago me corroendo desde a hora de acordar até a hora de dormir

Um medo que não assusta

Parece pânico

Sinto que me prenderam num manicômio porque sou maconheiro
Não porque sou louco

Sinto que estou enlouquecendo cada vez mais
Preso dentro de mim



Silêncio

Parece que vai chover de novo

Eu odeio a chuva

Parece que vai acabar mais um ano

E eu odeio o fim do ano


Silêncio

Medo

Pavor

Espero sentado
Me levanto
Ando
Sento de novo

Quero gritar tão alto
Pra ver se estoro logo os meus próprios tímpanos
E as minhas cordas vocais
E todas as minhas veias e artérias

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHBOOM!


Silêncio

Parece que não vai parar de chover nunca.

E eu não grito porque...
De que adianta gritar como uma gata no cio?

Parece pânico.
Mas não sei bem.

Me calo.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Sobrevivência

portas se abrem
enquanto o tempo passa
eu giro a maçaneta
sem mover os pés

o espaço se move
o tempo passa
e eu parado
sem saber dizer
se estamos rápido
ou devagar

os caminhos
se abrem
com a paciência

a paciência
é cruel
e fugaz

a incerteza
nos abre úlceras
no estômago
viciado

o tempo passa

não sei se rápido

ou devagar

as portas vão abrindo
os caminhos se formando
reduzidos à simples
conveniência
de aceitar
ou não
a mudança

eu abro as portas

estou disposto a tudo

se precisasse me mover
pularia daqui de cima

qualquer coisa
pelo tempo que flui
e a vida que existe
e o amor que constrói

o tempo passa
o espaço muda
a vida é bela e continua