terça-feira, 31 de março de 2009

Dor

"Às vezes, a memória fraca pode ser conveniente"
Marcelo Gleiser

Nunca havia pensado deste modo, mas: por qual motivo ele vai ao médico?
Pode soar tola a minha dúvida, mas, infelizmente, não a é. A outra, ele deveria seguir os passos da outra. Uns passos que são, claramente, um punhado de inúmeros desexemplos. Um desses desexemplos é a necessidade dele.
Explico. Ela e a medicina (a verdadeira, não a caseira) nunca partilharam de uma amizade concreta, por isso havia uma recusa: "Jamais estarei doente", mas no fundo ela sempre estava doente, por gostar de estar doente. É uma premissa no mínimo estúpida: fechar os olhos para o mal, se não o vejo, não o sinto. A demonstração mais real desse fechar de olhos dela é o esquecer de lembrar dos remédios. A mulher é inteligente, não esquece por tolice, nem por velhice, mas sim por teimosice. Ela sempre finge que não há doença, daí não há necessidade de cura, portanto não há remédio.
Voltemos para o caso dele. Ele é justamente o contrário, não digo hipocondríaco, mas sempre que precisa vai a um médico. Por que não fingir a ausência das dores como faz ela? Por gostar de sofrer. Ele vai aos melhores doutores da cidade, do país, do mundo, mas não pela cura e sim pelo diagnóstico.
O médico lhe diz: "Sua dor é essa", ele sorri, comprimenta o médico, e toma o seu rumo, felicíssimo do conhecimento das suas dores. É claro, já que não esquece de ir a um especialista, não esquece de tomar os remédios, não que remédio algum curasse as dores dele. Por isso que digo, antes uma inteligente negando do que um tolo insistindo. Tolo, pois ele se remedia por tolice, insiste na cura.
Talvez ele não sabe, primeiramente, que não quer ser curado, e, secundariamente, que não pode ser curado. Ou talvez eu que me precipito ao chamá-lo de tolo, pode ser que ele saiba disso tudo, mas luta para não perder algum fio de esperança. Pois bem, ele é como eu, não pode ser curado, mas é, sobretudo, mui tolo.
Existem duas alternativas para as dores deles: seguir a outra ou me seguir. Duas divergências que não curam de fato, afinal aquela não quer a cura, esta não pode ser curada, mas em ambas há o fim do sofrimento.

Caso o senhor esteja a ler, explico os seguintes passos: finja, como ela faz. A dissimulação é a melhor arma contra a dor, mas se você não quiser seguir a outra, pega a minha mão e aprende comigo. Se não quiser o sofrimento: esqueça a dor, apenas. Não há rezas brabas, ou remédios de tarjas pretas, ou conversas que resolvem a vida. Esquecimento é a melhor arma contra o mundo.

Como conheço ele, sei que prefirirá a terceira alternativa: ser ele mesmo e gozar com a própria dor, num sadomasoquismo ininterrupto. Isso, meu senhor, aproveite o seu orgasmo, só não venha atrapalhar a felicidade dos meus seguidores, pois nós já esquecemos faz tempo...

Meus

Eu gosto da janela daqui do apê. Dá pra uma árvore de flores rosas bastante bonita. Não gosto da janela pela árvore em si, ou pelo perfume da árvore, gosto por causa dos colibris. Vejo-os todos os dias se alimentando das belas flores. Não são daqueles beija-flores pomposos que brilham ao Sol, é só um passarinho preto, que voa pra lá e pra cá, com a sua beleza singular, não nas cores, mas no voar, afinal todo beija-flor fascina pelo voo. Hoje mesmo, na minha árvore, vi um canarinho amarelo, pequeno e delicado, pouco acima de um beija-flor, pequeno e delicado. São os meus tempos inúteis de observação da vida lá fora, das pessoas que passam, dos pássaros que voam, das folhas que caem, mas, sobretudo, são meus tempos.

Fraquejo

São fracos os bons, os fortes são os inconsequentes, aqueles que não medem consequência, aqueles sem valores, sem pudores, deligentes, delinquentes.
São fracos os bons.

domingo, 29 de março de 2009

Pointless

Ou seja, some da minha vida.
Cansei de estar sempre comparando tudo a você, cansei de estar sempre procurando você.
Não quero mais este exemplo de felicidade, as minhas memórias dos teus sorrisos.
Quero outras felicidades, algumas que representem o meu sorriso, só o meu.

sábado, 28 de março de 2009

Solidão

Estava pensando o que devíamos fazer com aqueles que amamos e acabam por nos ferir, por motivos que fossem. Quando podemos, nós tentamos curar a ferida, mas quando devemos, nós tentamos parar de amar essa pessoa. E, por mais que amor de verdade seja eterno, há um dia de acabar, ou seja, o tempo dirá se é possível de fato deixar de amar. Pois se o tempo disser que sim, fique feliz, pois a solidão é mais valiosa que a dor intermitente dos ferimentos expostos que o amor nos dá.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Agora

Eis uma revisão tola dos atos dos bichos homens, mas hei de fazer por este ser o meu trabalho, revisar os atos dos bichos homens. Portanto falo a ti, leitor, que considero a infância uma fase estúpida, porém necessária da vida. Nessa fase estúpida, elas, adivinho que todas elas, inclusive eu e você, costumam brincar de lutar. A luta, dizem os sociólogos, psicólogos e antropólogos, seria um meio de a criança começar a enfrentar os seus desafios, seus medos, seus concorrentes. Os extremistas diriam que é culpa da televisão, que impõe nas crianças a violência gratuíta, fazendo com que lutem entre si e, embora não seja o objetivo inicial da brincadeira, acabam se machucando. Eu digo que é macaquisse, criança é idiota e não tem o que fazer.
E nesse não ter o que fazer elas dizem frases de efeito, são elas que me fazem acreditar mais nos extremistas do que nos sociólogos. As frases de efeito são geralmente as ditas pelos heróis nos desenhos, frases prontas e fora de contexto, o que jamais acontece numa luta real. Na luta real os bichos homens se espancam e gemem, mas não param para dizer "Você vai aprender que o bem sempre vence" ou "As forças da natureza estão do meu lado, não há como você me vencer". Há frases e frases, inúmeras delas, todas sem sentido, mas uma delas estará presente em todas as lutas, sendo ela a única que realmente é expressiva e com conteúdo: "AGORA!". Agora naquele tom de explosão, que pode muito bem significar "Agora passei dos limites, estou pronto para te destruir!" ou "Agora amigos, saiam dos seus esconderijos!" ou simplesmente Agora.

Eu que ando minimalista, inconsciente das coisas, despreocupado e desleixado, andei pensando na frase de efeito e acabei por descobrir que nada é mais detalhado que a bendita frase de efeito. Como eu estou? Agora...

quinta-feira, 26 de março de 2009

Conceitos da criação

Hoje são débeis os conceitos da criação, pois ela toma suas mais diversas formas, seus mais diversos trejeitos. É óbvio, cada qual com seus defeitos, mas a criação que seja tem o seu direito de ser livre para ser criada, ou seja, que o criador faça como bem entender.
Outrora muito dos passo-a-passos foram teoremas divinos, e que perfeitas que eram as criações que saiam desses manuais de criação, todas bem lapidadas, mas todas criações bem similares. Perfeitas, conquanto criação tem de ser algo novo, não uma cópia da primeira e única criação, portanto perfeitas cópias. O novo é errado, é incerto, é assustador. O novo nunca dá certo, mas quando dá, vira modelo.

domingo, 22 de março de 2009

Tédio

Das vezes que tentei entender a necessidade inscrita só recebi um bocado de situações momentaneas: ora uma tristeza corrupta, ora uma alegria termitente. E, por mais que as tristezas sejam ruins, ou que as alegrias que terminam também o sejam, tive meus bons tempos, minhas boas companhias. Por confusão explícita acabei por cansar da dependência que o sorriso alheio me traz, mas queria eu era um sorriso amigo, um abraço, uma dependência qualquer que desse fim a minha infinita busca pelo desconhecido. E os bons prazeres, daqueles prazeres que acabam com o tédio, acabam-se em gozo, por fim acabam, sempre acabam. Daqueles prazeres que acabam com o tédio, que quando acabam, viram tédio.
Eu queria alguma coisa, qualquer coisa, das dependências aos prazeres eternos...
Se ao menos acontecesse alguma coisa...

sábado, 21 de março de 2009

Verão

E eu que achava que o verão sem você não ia ser tão divertido.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Doce paraíso

Uma vez ouvi falar sobre um paraíso fora do comum. Dizia que quando morre-se, tem-se o direito de escolher o paraíso. Explico. Quando o sujeito morre, sujeito bom, cumpriu suas tarefas pela Terra, foi bom cidadão e tudo mais, ele pode escolher um único lugar para passar a sua eternidade. À princípio pensei que isso deveria ser o paraíso mais infernal de todos. Não conseguia me imaginar no mesmo lugar por toda a eternidade. A eternidade pode durar muito tempo, consequentemente entediaria o sujeito.

Pois passou o tempo, bastante tempo, e acabei por relembrar desse tal paraíso (sim, lembrança totalmente aleatória), daí pensei sobre a minha posição que eu tomava antigamente. Será que, se escolhesse bom paraíso, ele seria tedioso?
Sei que escolhi o meu paraíso. Transformaria o Museu do Olho no meu Céu. Não que eu não conheça lugares mais bonitos, mais divertidos, mais interessantes. É que meu paraíso seria completo, seria uma retrospectiva da minha vivência. Seria o melhor e o pior do que já vivi. Eis o anti-tédio do meu paraíso, seria tanto Céu como Inferno, eu seria Deus e o Diabo.

Seria um sujeito saudosista que não consegue largar o passado.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Quis dizer

Passou a vontade de exprimir tudo. Queria falar da vida, das pessoas que convive, dos olhos que vê. Mas agora não sente sentido na expressão. É como se, caso fosse falar, falaria sozinho. Eis o maior medo, a solidão e seus trejeitos, expondo a pequenas fraturas, pequenos medos, é ruim quando são pequenos. Longe de tudo que conhecia, perto de tudo que agora conhece, mas ainda sim sem rumo, sem vida, sem tempo, sem amores, sem olhares, sem nada que fizesse precisar lembrar. Lembrança vaga de todas as coisas.
Recebe bem meu adeus. Paciência...

terça-feira, 17 de março de 2009

Traz sabão

Não sei mais escrever, mas sei reclamar! Que há melhor da vida senão uma boa reclamação? Creio que os velhos rabugentos sejam os seres mais felizes deste nosso maravilhoso planeta em decadência.
Pois para você, leitor desocupado, que passa aqui por não ter nada para fazer, eu digo: puta caralho, que merda.

domingo, 15 de março de 2009

Far from where you are

I never know.
I never grow.

It happened before.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Anti-principe

Tomo um gosto tão contrário ao da psique comum. Todos lutam por um fim e o fazem com o puro intuito de chegar nesse fim, poucos se preocupam com o meio. Já eu sou bem anti-maquiavélico: os meios justificam os fins.
Não me vem na cabeça um bom motivo para esta correria inconsequente que é o fim pelo fim, mas vejo muito valor no meio pelo fim. Mais que esse valor, vejo o meio pelo meio como um produto do aprendizado e das consequencias das atitudes tomadas. Dizem que o fim pelo fim é o puro egoísmo, pouco sabem que o meio pelo mais é a mais grossa camada de egoísmo que pode-se ter. E eu, como bom egoísta, escolho pelo meu lado.
O meio pelo meio. Um passo por vez. Tudo pra mim. Feito por mim.

Enfim, os meios se justificam.

terça-feira, 10 de março de 2009

Saudosismo idolatrável

Queria uma música velha.
Domingo, barulho, paz.
Queria uma vadiagem que não valesse a pena.
Noite, frio, carinho.
Queria nada de esperanças ou planos.

Só tempo.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Passei

Buscava pouco mais que esperança, afinal nem mais as pernas o aguentavam. Já era tarde, passava das duas, sem querer olhou o relógio. O tempo era uma espécie de religião, o relógio era a Igreja. Pois olhou, notando tardiamente que não devia ter olhado. Pobre, mal sabia que nem a esperança podia ser esperada; o tempo não esperou, queria crer que esperaria, mas não esperou, então por qual motivo devia esperar a esperança? Aliás, ninguém esperou, nenhum deles. Não muda, é sempre assim: não se espera.
Passou tudo, tudo bem lento, mas passou. Quem diria que passaria por tamanho desaforo?

sábado, 7 de março de 2009

Roça

De dia era trabalho, de noite era noite. Não tinha muita outra opção, senão viver essa vida de sempre. Vida dura, cansativa. Nós acordavamos cedo, antes do sol nascer, tomavamos um banho gelado no rio, tomavamos o nosso café-da-manhã e pegavamos as enxadas. O trabalho era de ofegar, mas nós nos aguentavamos até que o pai dizia Tô indo mijar. Era a felicidade da criançada e a tristeza do pai. Hoje eu digo que ele ia mijar só pra nos dar um recreio, quando eu era moleque eu só achava que era burro. Enfim, corriamos cada um pra um canto, subiamos nas árvores, mergulhavamos no rio, entravamos debaixo da casa, dos móveis, do trator. O importante era esperar ele chegar no campo e se ver sozinho, daí ele se acalmava e dizia, Que criançada maldita, vou trabalhar sozinho de novo. Era o dia inteiro festando, jogando bola, correndo, empinando pipa, nadando, até o anoitecer.
Eis o momento crucial do dia, a noite vinha pra nos assustar. Chegavamos em casa e o pai olhava com cara feia, Onde vocês estavam? Tive de trabalhar sozinho, agora vão levar surra, seus safados! E quem conseguia correr corria, quem não conseguia, apanhava. Mas não era só a surra que assustava. Lá fora acontecia muita coisa. Não era raro ver os olhos do Boi Tatá, espreitos à espera de alguém sair de casa. Se alguém saia os olhos seguiam o sujeito até a porta. De vez em quando, se demorava muito pra sair a janta, ouviamos barulhos fora de casa. Todo mundo sabia que o Seu Vitolino era lobisomem, aliás, como homem o Seu Vitolino era bom, sujeito simpático, mas os lobisomens não levam em consideração as simpatias que sentiram quando gente. O bicho tomava o corpo do Seu Vitolino e ele saia a roubar a janta do pessoal. O vagabundo não podia roubar um pedaço de carne, ou uma galinha; sempre roubava o porco, o maior deles.
Uma vez, depois de passarmos a tarde inteira brincando, o pai não quis nos bater e disse, O castigo de vocês é bater no lobisomem. Minha mãe não queria, pois Seu Vitolino, antes de ser lobisomem, era bom homem, mas o pai se importava mesmo é com a comida que faltava na mesa. A mãe disse, Além de quê, é perigoso! Se esse homem morde uma criança dessas? O pai não quis saber, fez-nos esperar atrás da porta da cozinha com paus e pás.
O cachorro entrou, era grande, forte, bem preto, ficamos quieto, sem saber o que fazer. Ele olhou pra mim, rosnou com aqueles dentes enormes, daí fechei os olhos. Ouvi um baque forte e o choro do cachorro, abri os olhos e estava meu pai com a enxada ensanguentada na mão. A mãe gritava, Falei pra você não fazer isso com os piás!
No dia seguinte Seu Vitolino mancava muito, as pessoas perguntava o que acontecera, ele dizia que caiu da escada. Nunca mais se ouviu falar dele perto de casa, muito menos de lobisomens.

domingo, 1 de março de 2009

Desde os dez

Na hora não fez sentido, afinal ela não parecia tão nova. Depois que fui entender que era precoce, que já vivera uma vida inteira num pedaço pequeno da vida, acho até que já podia morrer, afinal já tinha feito de tudo. Enfim, aos 19 ela fazia de tudo, cuidava das crianças, era diarista, quem sabe ela trabalhava de noite também. Todo esse esforço pra sustentar os filhotes. Eram 5, o mais velho já estava velho, era um menino grande, malandro, com pinta de bandido, o mais novo ainda usava fraldas, era bem gordo, bem bonito. Aliás, todos puxaram o pai, sujeito feio, decrépito, só o pequeno que puxou a mãe. Ela era linda, corpo escultural, nariz empinado e delicado, a pele negra, lisa, mesmo com 5 filhos ainda era bela.
Encontrei-a no ônibus, ofegante, suada, atrasada. O calor não combinava com a roupa pesada que ela usava. Falou pra amiga que queria sentar, mas achava que não caberia no banco, de tão gorda que estava. A amiga não pensou duas vezes, é verdade, você está tão gorda que parece um butijão. Minha reação foi instantânea, como não podia rir da gordinha zombando da outra gordinha? O butijão explicou-se, os cinco filhos, o trabalho, a vida, os anos, tinham detonado o corpo dela, afinal tinham se passado cinco longos anos. Ela, em cinco anos, viveu 15, e a beleza sensacional sumiu, ficou no rosto algumas marcas do nariz empinado, da pele bonita, mas era só.
Disse que tinha coisas pra fazer, como se aquele ano, digo dia, fosse acabar antes que ela acabasse tudo que tinha de fazer. Aos 24 parecia ter 40, aos 19 parecia ter 25, aos 10 parecia ter 15. Vai ver o tempo não fez bem a ela.