domingo, 1 de março de 2009

Desde os dez

Na hora não fez sentido, afinal ela não parecia tão nova. Depois que fui entender que era precoce, que já vivera uma vida inteira num pedaço pequeno da vida, acho até que já podia morrer, afinal já tinha feito de tudo. Enfim, aos 19 ela fazia de tudo, cuidava das crianças, era diarista, quem sabe ela trabalhava de noite também. Todo esse esforço pra sustentar os filhotes. Eram 5, o mais velho já estava velho, era um menino grande, malandro, com pinta de bandido, o mais novo ainda usava fraldas, era bem gordo, bem bonito. Aliás, todos puxaram o pai, sujeito feio, decrépito, só o pequeno que puxou a mãe. Ela era linda, corpo escultural, nariz empinado e delicado, a pele negra, lisa, mesmo com 5 filhos ainda era bela.
Encontrei-a no ônibus, ofegante, suada, atrasada. O calor não combinava com a roupa pesada que ela usava. Falou pra amiga que queria sentar, mas achava que não caberia no banco, de tão gorda que estava. A amiga não pensou duas vezes, é verdade, você está tão gorda que parece um butijão. Minha reação foi instantânea, como não podia rir da gordinha zombando da outra gordinha? O butijão explicou-se, os cinco filhos, o trabalho, a vida, os anos, tinham detonado o corpo dela, afinal tinham se passado cinco longos anos. Ela, em cinco anos, viveu 15, e a beleza sensacional sumiu, ficou no rosto algumas marcas do nariz empinado, da pele bonita, mas era só.
Disse que tinha coisas pra fazer, como se aquele ano, digo dia, fosse acabar antes que ela acabasse tudo que tinha de fazer. Aos 24 parecia ter 40, aos 19 parecia ter 25, aos 10 parecia ter 15. Vai ver o tempo não fez bem a ela.