segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O mecanismo

eu ainda não parei pra dizer que tudo mudou
e pôr na palavra escrita os novos termos
de repente eu estou realmente feliz
daqueles dias que ficávamos na casa da vó
e que os sabiás cantavam para os bons piás

tão simples quanto subir um degrau
ou acordar tarde
ou dormir ainda mais tarde

de repente o futuro mudou
e o que era expectativa acaba virando lembrança
e sonhar faz algum sentido

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Apelido

pode me chamar do que quiser
e rir de mim
que eu vou rir junto
vou beijar o teu pescoço quente
e você vai se arrepiar
e vai parar de rir de mim
e eu vou rir de você

você vai sorrir
e eu vou sentir o teu lábio macio
nos meus lábios macios
e a tua língua molhada
na minha língua molhada

eu vou ficar de olhos abertos
já que amo ver teus olhos fechados
e você vai abrí-los
e vai sorrir
enquanto nossas línguas dançam dentro de nossas bocas

eu vou fechar meus olhos
e vou sentir a tua unha comprida
acariciando meu couro cabeludo

pode me chamar do que quiser
que vai ser sempre bom.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Pequeno homem

lembro dela sentada no balanço
era a primeira vez que via uma garota de cabelo curto
e ela usava essa presilha lilás, que segurava o pouco de franja que tinha
sentei ao lado dela
sorrimos um ao outro
ela me pediu para que eu a empurasse
e eu, de braço quebrado, a empurrava
e ela ia para frente
e para trás
me perguntou o nome
eu lhe disse
perguntei o dela
ela me disse
de repente ela estava mais alto do que eu podia ajudar
e eu sentei ao lado dela, na outra banqueta
e me empurrei o mais alto que pude
e nós tocávamos o céu
indo para frente e para trás
rindo alto e gritando um para o outro, para que fosse possível nos entender
até que ela caiu naquela areia dura, ralando o joelho
ela chorava silenciosamente
parei ao lado dela e ela sorriu para mim
de olhos molhados
como quebrou o braço? me perguntou
eu lhe contei e disse: vou chamar a professora, ok?
me deu um beijo na bochecha
e eu a salvei.

sábado, 1 de outubro de 2011

Juntos

e de repente eu acreditava em tudo
e nossos lábios faziam algum sentido
como uma simples adição
juntando
duas bocas
e dois corpos
grudados dos pés às cabeças

as pernas entrelaçadas
e os púbis se tocando
meus braços em volta da tua cintura
nossas barrigas respirando em harmonia
e meu peito abrigado por entre teus seios
tuas mãos na minha nuca suada
e os lábios
e a língua
narizes se tocando
como uma coisa só

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Vida e a luz da Lua

a lua estava bela novamente
e eu estava feliz por estar vivo
o que não acontecia havia muito tempo

agora eu não estava preocupado com o tempo
presente, passado, futuro, nada disso fazia algum sentido
eu estava vivo
e dos meus lábios se formava um sorriso acanhado.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

De mãos dadas

passava as unhas pela minha mão
com a mão direita, acariciava as costas
com a esquerda, a palma
e subia até os dedos
e com os dedos
apertava os meus
como se fossem plástico bolha
e fizessem ploc
ploc
ploc
e essa coisa estranha
que explodia nos ossos das pontas dos dedos
me corria os ossos das mãos
e dos braços
e encontrava a minha coluna
e eu descobri que finalmente estava pronto
para pular de um precipício
ou para queimar a minha carne
ou me afogar
por um bem maior

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Aos leitores

"Deviam acreditar que todos os meus contos eram histórias verdadeiras. Eles são apenas meia verdade. Invenção misturada com a verdade é igual a Arte."
Charles Bukowski em Um Caderno Manchado de Vinho

terça-feira, 31 de maio de 2011

Neve

Essa noite sonhei que nevou em Curitiba. Eu aqui, longe, fiquei pensando na minha vó. Quando eu era criança, ela acordava nas madrugadas de inverno para ver se nevava. Se nevasse, ela me acordaria e nós dois iriamos correndo para o jardim da casa dela. Meu sonho era ver neve. Mas nunca nevou e acho que não sonho mais com neve. Me pergunto se ela sorriu ao ver os flocos de gelo caindo do céu ou se ela amaldiçoou o frio e foi para debaixo das cobertas e dos edredons.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Lua

Olhei a Lua alaranjada e pequenina lá no céu. Infinitamente longe. Infinitamente só. Senti um frio correr a espinha, descendo à parte detrás das coxas. Era um medo que se movia do meu peito para as costas e para as pernas e para os pés e para onde quer que esse medo quisesse ir. Era uma solidão infinita, que nem a da Lua. Meus olhos se encheram de lágrimas, senti uma pontada na garganta e me deparei com a realidade: Eu jamais veria a Lua de perto. Jamais sentiria a sua areia fina e gelada por entre os dedos dos meus pés. Jamais deitaria atrás de uma montanha, escondido do Sol, para olhar as estrelas, os outros Sóis, o universo inteiro. E eu e a Lua vamos continuar solitários. Ela lá, eu aqui. Cada um sentindo a falta que o outro faz.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Amo vocês

Alguma coisa aconteceu entre o dia que eu nasci e hoje. Eu não consigo descobrir o que é, por mais que eu nade nas minhas memórias e todas, mas todas, as vezes eu me afogue. É isso, respirar de novo e mergulhar. Memórias e memórias e memórias, mas nenhuma delas me explica onde eu me perdi. Onde foi parar aquele garoto maduro, amoroso e romântico? As pessoas crescem, vai ver é isso. Então eu desejo aos meus filhos que fiquem pequenos por toda a eternidade, correndo descalços na grama molhada, sujos de patas de cachorro por toda a roupa, comendo bolo de chocolate com as mãos sujas. Não crescam, minhas crianças. Passem o dia com a sua avó, contando sobre os casos e acasos da vida. Deixem que ela conte histórias para você enquanto vocês comem pinhão. As histórias são tão mais belas que as experiências. Aprendam a andar de bicicleta comigo, nós podemos tentar de novo todo final de semana nos parques gelados da cidade até nos tornarmos bons motoristas. Meditem com a sua mãe, deitados na cama prestando atenção na música. Prometo que nunca vou deixar que ela deixe de acariciar as tuas pequenas e magrelas costas, meus pequenos. Só não crescam, por favor. Não vão embora. Não me deixem sozinhos. Só queria saber quando fiquei tão fútil, seco e vazio. A solidão me fode, enquanto eu tento dormir, para tentar acordar, para viver.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Bom dia, Brasil

4h41. Amanhã, ou hoje, acordarei as 7h. Pensando bem, é melhor nem dormir. É impossível acordar com apenas duas horinhas de sono. Que vida... O problema não é saber que tenho que acordar daqui duas horas. Nem saber que amanhã tenho aula o dia todo. Poderia muito bem passar o dia todo dormindo nas carteiras enquanto os professores tentam pôr alguma coisa útil nessa minha cabecinha vazia. Mas não posso dormir, tenho uma prova daqui dois dias, outra daqui três. E daqui três dias eu vou estar envolto no mais incrível arrependimento de não ter estudado mais. Quando, na realidade, eu estive com insônia. Só insônia. Ah, se Deus me permitisse dormir. Ou me permitisse estudar o dia inteiro, sem sentir sono! Ah, insônia, adorável insônia, obrigado por acabar com mais um semestre acadêmico.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

O gatuno

Quando ele deita nos meus braços eu sinto que o amo. Quando estamos longe, mal lembro dele. Exceto quando estou com frio e sinto que um gato gordo podia esquentar meus pés gelados. Mas quando ele deita nos meu braços, eu tenho certeza do que sinto. São tantos anos ao lado do felino que eu não consigo me imaginar amando um cão que pula e late e faz festa. E quando as pessoas falam que gatos são frios e solitários e egoístas, não digo que mentem, pois os amantes dos gatos acabam aprendendo o que são os gatos: frios e solitários e egoístas. E o dono acaba se tornando um gatuno, tão frio e solitário e egoísta quanto o próprio animal. E ao mesmo tempo quente. Quente e aconchegante e tão amável e adorável quanto ele quiser ser. Basta um cafuné e uma cama, uma lembrança e um sentimento. Eu realmente o amo. E eu consigo sentir, toda vez que ele deita a cabeça no meu peito nu, que ele realmente me ama. Assim a gente consegue viver. De amores parcelados e oportunistas, solitários e egoístas, mas tão quente que todo o mundo pode ver.

sábado, 26 de março de 2011

Saudade

que saudade de casa
e que preguiça de viver
vontade de abraço
e um pouco de esperança
e algo mais
que é sempre uma surpresa.

quinta-feira, 10 de março de 2011

O padre

há uns dias atrás
visitei um padre maluco
que era católico
mas acreditava em reencarnação
e em extraterrestres
e o fim do mundo.

o padre era parapsicólogo
e, de algum jeito,
arrumou a minha aura.
e me disse:
de agora em diante
as coisas serão melhores
e você será feliz.

e por algum motivo
eu me tornei feliz.
de aura arrumada
e sorrindo a toa.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Pós-adolescente

Estou ficando velho, rabugento. E quase todos nós, os amigos, estamos vendo que, de certo modo, estamos envelhecendo. E me sentir velho me faz sorrir. É bom perceber que crescemos, que estamos evoluindo. As festas não são mais tão divertidas e não temos mais a necessidade de ir nelas. As aulas parecem mais interessantes e os compromissos também. Não se trata de cumprir prazos por obrigação, trata-se de um comprometimento ciente. Parece que nos tornamos adultos, finalmente.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Chove chuva

essa chuva
matando tanta gente.
que a gente
esquece que a vida é boa.

ah, que dó de mim
que se perdeu na dó do mundo.
dó de quem perdeu
e de quem não tem mais vida.

ah, a vida é boa
mas quem consegue
lembrar que atrás das núvens
há um Sol?