quarta-feira, 26 de maio de 2010

O céu

Acordei num lugar branco e fofo, uma vastidão com aparência de algodão que tomava conta dos horizontes. O céu, sobre minha cabeça, azul claro, limpido e frio. Eu tinha medo de me levantar, pois achava que meu peso podia rasgar ou desfazer o algodão. Uns metros atrás de mim, existia uma montanha fofa desse algodão fofo que escondia o Sol escaldante. Me assustei ao olhar para o lado, onde vi um negro enorme que media uns 2,80m. Seu sorriso era enorme, assim como todo o resto de seu ser, exceto pela cabecinha nanica e careca. Dentes mais brancos que o algodão que pisávamos, olhos mais azuis que o céu que ficava sobre nossas cabeças. Era um negro descomunalmente forte, grande e belo. Se é que existe o termo descomunalmente belo.
- Onde estamos?
- Dia, pequena!
- Nossa! - Foi aí que percebi sua altura ridiculamente grande - Eu diminui?
- Sei lá, xô que não. Sou grande memo.
- Quem é você?
- Teu anjo, fia.
- Esperava menininhos de asas. Aliás, menininhos de asas sem sexo.
- Meninos sem sexo... Interessante. Poisé, eu tenho sexo. - E sorriu lindamente, como se tivesse orgulho da sua masculinidade afro-descendente.
- Onde estamos?
- Em cima da tua cidade. - Eu fiquei parada que nem pedra. Pensei na altura quilométrica que estávamos do solo e apertei o algodão fofo para me segurar. - Cê não vai cair, fia.
- Eu... Mas... Isso...
- Éééé fia, ocê tá no céu! - E sorriu achando que eu ia ficar feliz com a notícia.
- Eu morri?!
- Aaaaai, Pai! - Olhou para a montanha fofa, ou para o Sol - De novo essa baboseira. Poisé, fia, ocê moooorreu. Bateu as botas. Foi dessa prá uma mió. Tá comendo grama pela raiz... Espera, a fia tá no céu... Tá, essa última num conta.
- Mas... morri? Por que?!
- Ah, fia. Seu cérebro parô, seu rim parô, seu coração parô. Tudo parô. Daí ocê veio pará no céu, prá me visitá. - E sorriu de novo. Acho que ele não tinha noção de como desesperador era receber a notícia da morte.
- Mas eu não quero morrer.
- Desculpa, fia. Se ocê veio pro céu, ocê morreu. - Olhou para os pés descalços tamanho 48 e, pensativo, olhou para mim - Se bem que...
- Se bem que o quê?
- Se bem que esse negócio de onde é o céu é bem estranho. Tem gente que acha que aqui não é o céu. Tem gente que acha que o céu é 4 metros em cima da minha cabeça, tem gente que acha que não existe céu... é a Terra e o Espaço...
- Então eu não estou no céu? - Sorri.
- Ai fia, num sei mais di nada. Enfim, a sinhóra podi fica onde ocê quisé. - E a núvem se abriu sob os pés dele. Meu anjo caiu e eu gritei.
- JESUS! Agora estou sozinha nessa imensidão branca! - Daí comecei a rezar um Pai Nosso.
- Ô fia, ocê nunca vai tá sozinha, eu sempre tô contigo. Poisentão, fia, ocê num precisa ficá no céu. Ocê pode desce na Terra.
- E o que eu faço agora?
- Sei lá. Deita aí e pega uma cor, ocê tá branca que tá parecendo um fantasma! - E se riu.

Eu me deitei e deixei uma lágrima rolar. Fechei os olhos e da imensidão branca, fugi para a escuridão plena. Apavorada, abri os olhos, pulando da cama.
- Mãe, o que foi?! - Perguntou-me a filha.
- Quero ir prá casa! - Da imensidão branca à negra. Da imensidão negra àquele cubículo claustofóbico do hospital. O desespero e a solidão me invadiam.
- Já estamos indo, mãe, está tudo bem - A filha sorriu - Você nunca vai estar sozinha, eu sempre estarei com você - E ela deixou uma lágrima rolar, me abraçou e disse: Pai, obrigado!

domingo, 23 de maio de 2010

Tango

Fechou os olhos e se viu fazendo passos que nunca conseguiria fazer de olhos abertos. Com os braços e as pernas entrelaçados com uma belíssima mulher, dançava um tango como qualquer outro: repleto de sensualidade. Seus lábios tocavam a nuca nua da dançarina e as mãos dela subiam as coxas dele. Parecia que era o rei do mundo, um sedutor invulnerável, um garanhão. Ao abrir os olhos, se viu sentado na poltrona. Mastigava uma Ruffles e sugava Coca-Cola por um canudo grosso. Ele era levemente gordo, levemente velho, levemente desleixado. O banho tinha ficado para o dia seguinte, como o sonho de dançar. Fechou os olhos mais uma vez, mas agora foi para cair no sono. E sua musa inspiradora retoma os complicados passos. O violino chora. Ele sorri.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Dia das mães e o meu atraso

Àquelas que choraram, que sofreram, que riram e viveram o prazer da maternidade. Ser mãe é mais que uma conquista, é uma luta eterna em busca da perfeição. Os filhos são pequenas bolas de areias que as mães vão limando e fazendo-as crescer. Infelizmente, as bolas ficam pesadas, e as mãos das mães não aguenta o fardo da bola que não pertence mais àquelas mãos frágeis. Frágeis de aparência, mas fortes como toda mãe. Ser mãe é persistir, empurrar a grande bola (que tem seu crescimento exagerado, afinal as crianças crescem e as mães nem percebem: "Nossa, como você cresceu!"), que vai rolando sozinha enquanto corta os seus cordões umbilicais, para um caminho certo. Ser mãe é fazer um caminho certo. E nada mais justo que às guerreiras, que desrespeitosamente as comparo como besouros roladores de bosta, tenham seu dia de glória. Às mães de todo o mundo, às mães de verdade. Ser mãe de verdade não é ser mãe de ventre, é saber amar e criar filhos gratos, que como eu, julgam necessário dizer poucas, mas sinceras, palavras de gratidão: Mãe, feliz dia das mães. Eu te amo.