domingo, 18 de novembro de 2012

Planeta Terra

A vida perde seu cunho de fardo e se torna uma fantástica organização de elementos orgânicos e inorgânicos que formam células que tomam o mundo todo. Se a história é marcada com duras e horríveis cicatrizes é porque a vida é vida e se resume em tentar viver, mas quando tentar viver dói mais do que respirar, basta a coragem de entender os velhos erros. Nossa existência se marca entre nascimento e morte e o planeta se envolve com infinitas vidas que se começam e se acabam num piscar de olhos, entremeios a vida ela mesma toma decisões e escolhas que abrem os novos caminhos. Não são as escolhas que moldam a vida, mas sim o caminho tomado por essas escolhas e todo o resto de vida pulsante no mundo. Caminhos que moldam a vida por outros seres como esculpido em Carrara ou madeira nobre ou madeira velha, por escultores ou por artesãos ou pelo guri da rua de trás. O presente como uma sucessão de fatos históricos, não uma realidade imutável, a partir do qual o futuro se desenvolve tão incerto quanto o virar de uma esquina numa cidade desconhecida. E entre alimentação e excreção e respiração, a felicidade e a alegria e o amor e a tristeza e a dor e a morte, numa revolução complexa de sinapses. A Química se organizando e dando sentido à ocupação planetária. Não um fardo, um milagre.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Sem-vergonha

De vez em quando, sinto coisas estranhas. E por estranho, digo indefinível, pelo menos dentro do meu conhecimento linguístico. Faz tempo, mas eu frequentemente sentia uma espécie de queimação dentro de mim. Uma queimação que vinha junto com uma massa maior que minhas laringe e faringe e esôfago, daí tomava água, tentando jogar essa massa pra dentro de mim. Foi só quando tive uma queimação estupendamente mais forte que entendi que podia muito bem ser um problema gástrico.
Quando tenho bons momentos (seja felicidade, alegria ou simplesmente uma demonstração mútua de respeito e consideração) com pessoas que desgosto, estou chateado ou não vejo há muito tempo, sinto uma espécie cãimbra nas mandíbulas, mas diferente daquela cãimbra que se sente quando uma comida ou bebida deliciosa toca a língua (se é que isso é chamado de cãimbra).
Quando lembro da minha falecida avó, costumo sorrir, daí me arde o que eu imagino ser o canal lacrimal. Uma ardência seca que sobe do nariz aos pontos lacrimais (onde saem as lágrimas), então o meu nariz coça e eu espirro.
Mas a sensação mais estranha, veio agora a pouco. Uma vergonha tomou o quarto escuro e eu simplesmente não consegui mudar a música, deixando-a tocar em loop por no mínimo oito vezes. A palavra vergonha, eu conheço, mas esse meu sentimento estranho e ao mesmo tempo tão familiar não condiz com o conceito de vergonha. Quer dizer, a vergonha é um sentimento causado por algum tipo de evento particular, a reação que vem de um embaraço, mas eu só senti as notas agudas da música que ouço repetidamente adentrando o meu cérebro. A reação da música é a vergonha. Sem nenhuma memória que vem de um inconsciente, sinto-me envergonhado. Vergonha sem especificação, sem nome, sem definição. Só uma grande e aguda coisa ou negócio ou seja lá como isso se chama.
A música toca mais uma vez.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Conceito

nesses últimos dias tenho topado com a felicidade inesperadamente. àlgum tempo atrás, a felicidade me surgia como fantasia e misticismo. eu acreditava piamente que a felicidade era um conceito utópico, que se passava num cenário fictício, com personagens fictícios.

a felicidade plena é inviável devido às pequenezas que destroem a harmonia do dia a dia: esquecer a chave em casa, pisar numa poça de água, chutar o pé da cama, morder a boca, perder o voo, ser assaltado, ser humilhado, sentir frio, sentir fome, sentir medo.

de repente, depois de uma mudança drástica na sucessão usual de fatos na linha do tempo, a felicidade se mostra como um novo substantivo. a palavra vira conceito baseado em bem estar e funcionabilidade e produtividade e de uma série de outras palavras que se referem a alegria ou paixão.

particularmente, nunca quis ser feliz. mas logo que me adequo a um estilo de vida baseado em conceitos teóricos de refinado embasamento, me sinto obrigado a rir comigo mesmo.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Excerto de uma conversa de bar

- Eu preciso tirar da minha cabeça essa ideia idiota.
- Mas...
- Ah, é foda.
- Pois é...
- Você me considera uma boa pessoa?
- Claro que considero.
- Por que?
- Sei lá, você é uma boa pessoa.
- Era pra você me ajudar, não atrapalhar.
- Você pediu minha opinião, oras.
- Eu não sou uma boa pessoa.
- E por que isso é importante?
- Sei lá, tenho acordado de madrugada...
- E?
- E tá tudo escuro.
- Que bom! Hahaha.
- É sério... Tá tudo escuro e de repente eu sei que estou sozinho.
- Pelo menos você não tá sentindo ninguém perto de você. Esse negócio de espirito é coisa tensa. Imagina acordar e tem uma menina de vestido branco olhando pra você?
- É diferente de sentir alguém. Já senti gente me observando, já vi vultos, já vi umas coisas. Mas a questão não é essa. Eu me sinto realmente sozinho.
- Eu estou aqui, se isso te conforta.
- Sei lá. Eu tinha mais amigos.
- Um não basta?
- Claro que basta. Mas eu nunca me senti sozinho antes.
- Que besteira...
- Enfim, eu acordo na escuridão completa, sem saber onde estou, sem saber quem eu sou. De repente meus olhos se adaptam a escuridão e meu cérebro começa a funcionar diferente...
- Funcionar diferente?
- É, eu sei que ele tem alguma coisa diferente, nessas horas. Daí eu penso em coisas vazias como o fim do mundo.
- Fim do mundo?
- Fome, miséria, injustiça. Eu começo a chorar.
- Chorar? Cara, você precisa ver um médico...
- Não tem nada a ver com medicina.
- Psiquiatria, brother. Você tá ficando maluco. E isso acontece sempre?
- Sei lá.
- Como assim, sei lá?
- Sei lá. Eu acordo e durmo. Nunca lembro.
- Porra, e como você tá me contando isso?
- Tá...
- Tá?
- Acontece praticamente toda noite...
- Quem diria, você virou um chorão.
- Pois é... O chorão que chora por um mundo caótico.
- É, talvez você tenha que tirar essa ideia idiota da cabeça...
- Que ideia?
- De achar que não é bom.
- Eu não sou uma boa pessoa. Eu já fui, quando era moleque.
- E o que aconteceu?
- Não lembro...
- Daí você virou uma má pessoa?
- Virei...
- Você sabe que eu não sou psicólogo, né?
- Mas é meu único amigo.
- Mas isso é um trabalho pra psicólogo.
- Eles são basicamente amigos comprados. Você dá dinheiro pra eles te ouvirem como se fossem melhores amigos.
- É, faz sentido...
- Então, eu acordo perdido, eu me acho, eu choro.
- E depois?
- Eu quero salvar o mundo.
- Como?
- Não sei.
- Isso é ser bom, sabia?
- É?
- Com certeza.
- Eu não sei porque diabos quero salvar a porra do mundo.
- Também não sei. Ele tinha que acabar logo.
- Falando com você, agora, ou andando na rua, pensando bem sobre essas coisas que se passam de madrugada, eu tenho certeza que estou enlouquecendo.
- Mas você está...
- Eu não tenho amigos, não me apaixono há muito tempo, poucas pessoas realmente me importam, menos ainda se importam comigo. O que tem de errado comigo? Daonde essa ideia maluca de salvar a porra do mundo?
- Garçon, vê mais uma pra gente... Valeu!