terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Cirrose e uma dose de ânimo

Silêncio

Parece que estou em pânico

Eu não sei bem como é estar em pânico

Lembro de tantas vezes que senti o maior dos medos
E esses medos eram tão intensos

Meu medo não é intenso

Meu medo é constante

É o meu estômago me corroendo desde a hora de acordar até a hora de dormir

Um medo que não assusta

Parece pânico

Sinto que me prenderam num manicômio porque sou maconheiro
Não porque sou louco

Sinto que estou enlouquecendo cada vez mais
Preso dentro de mim



Silêncio

Parece que vai chover de novo

Eu odeio a chuva

Parece que vai acabar mais um ano

E eu odeio o fim do ano


Silêncio

Medo

Pavor

Espero sentado
Me levanto
Ando
Sento de novo

Quero gritar tão alto
Pra ver se estoro logo os meus próprios tímpanos
E as minhas cordas vocais
E todas as minhas veias e artérias

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHBOOM!


Silêncio

Parece que não vai parar de chover nunca.

E eu não grito porque...
De que adianta gritar como uma gata no cio?

Parece pânico.
Mas não sei bem.

Me calo.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Sobrevivência

portas se abrem
enquanto o tempo passa
eu giro a maçaneta
sem mover os pés

o espaço se move
o tempo passa
e eu parado
sem saber dizer
se estamos rápido
ou devagar

os caminhos
se abrem
com a paciência

a paciência
é cruel
e fugaz

a incerteza
nos abre úlceras
no estômago
viciado

o tempo passa

não sei se rápido

ou devagar

as portas vão abrindo
os caminhos se formando
reduzidos à simples
conveniência
de aceitar
ou não
a mudança

eu abro as portas

estou disposto a tudo

se precisasse me mover
pularia daqui de cima

qualquer coisa
pelo tempo que flui
e a vida que existe
e o amor que constrói

o tempo passa
o espaço muda
a vida é bela e continua

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Tempestade

já escrevi o que eu tinha pra dizer
agora a correnteza me leva
pra onde ela quiser
que eu vá

sábado, 24 de maio de 2014

Domo de vidro

Encostados no parapeito do décimo andar, ela me diz que queria saber como é a sensação que o suicida que pula sente antes de encostar o chão. O segundo que precede o homicídio culposo, o mais contente dos segundos dos últimos tempos. E logo ela deixa claro que não é suicida coisa nenhuma. Ela me pergunta se eu já pensei nisso. E assim como ela tratou de rapidamente dizer que não pensa no próprio suicídio como uma realidade, omiti o meu complicado histórico de ideias obscuras. Quem me leu há muito tempo sabe que me apaixonei pela morte sem vergonha de tornar pública a minha paixão. Longas e solitárias noites de insônia perdidas em planos infalíveis para findar a própria vida. Esperando o momento certo para sentir na pele o último e mais precioso dos segundos dos últimos tempos. Tudo documentado nesse mesmo endereço em peças de teatro disfarçadas de prosa e poesia.
Sim, já pensei na sensação do último milésimo de segundo um milhão de vezes. É que só passei a amar a vida há pouco tempo. Antes era normal me sentir apto a pular do vigésimo andar de um prédio público, atrapalhando o trânsito numa tarde de terça feira chuvosa. Deixando muita gente triste porque fiquei com preguiça de viver. Eu bocejo.
E me sinto tão obrigado quanto ela a tornar o mais transparente possível a minha ausência de relação com a morte. A morte já passou. Foi lá de casa pra outro lugar, conhecer gente nova, ver tudo o que sempre viu desde que a vida existe. Transparente. Exposto num domo de vidro pra ninguém me perder. Pra todo mundo ver que minha disposição e minhas noites mal dormidas estão completamente dedicadas à arte de viver todos os dias. Os dias mais bonitos nessa grande ilha. Com ela e com os arrepios e com uma felicidade similar ao daquele último segundo do descontente suicida.
Encostados no parapeito do décimo andar, teus olhos brilham com os meus fixados na escuridão da tua retina. A vida parece tão boa. É claro que eu pularia, mas só se eu saísse ileso e pudesse subir e pular e subir e pular, como um viciado por adrenalina que repete incessantemente as insanidades de um emocionante dia a dia. E se teus olhos que brilham dissessem que vamos pular de um precipício, pulamos de mãos dadas. Pra depois dormir uma noite de puro orgulho da própria coragem. E no dia seguinte, transcrever as sensações pra todo mundo, documentadas em literatura, transparente no meu domo de vidro.
É. A vida parece tão boa e eu me sinto justo, escrevendo o quanto gosto dela.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Sol, Luz, Felicidade e uma porção de outros poréns

minha vida
pulsa

sábado, 8 de março de 2014

À Lua

A garota estava deitada no sofá, cabeça nos braços de lá, perto da janela, meio adormecida. O cara estava na outra ponta do sofá de quatro lugares. Ele tinha uma aparência de bom moço, educado.
Já passava da meia noite, então era dia 8 de março. Ele olha para ela e diz, sorridente: "Feliz Dia da Mulher" e ela responde com um sorriso largo cheio de orgulho "Que cavalheiro! Ele lembrou!" e o resto de nós cinco homens ficamos constrangidos, como se nenhum de nós tivéssemos lembrado do Dia Internacional da Mulher.
Dia da Mulher e cavalheirismo me soam tão machistas. E meu rosto ficou vermelho com esse pensamento, sorri a ela e com o sorriso sincero "Muito parabéns. Vocês todas merecem."

Eu sinto vergonha no Dia da Mulher.

Queria andar com uma camiseta que dissesse "Não vou parabenizá-las pelo seu dia, mas vocês são a essência desse universo" ou qualquer coisa piegas assim. Eu sinto vergonha, porque acho que preciso explicar pra elas todos os anos que eu não acredito no Dia da Mulher.

Pra mim, é difícil assimilar o Dia da Consciência Negra à consciência e à igualdade. Na minha cabeça, ele quer dizer "Hoje vocês devem lembrar que os negros merecem todo o respeito do mundo!"
Mas eu não queria pensar assim.
Queria crer que é um dia de comemoração ao progresso do respeito. Que progride lentamente. Mas progride.

Meu primeiro contato com Deus foi através de Harry Potter. Aos onze de idade, a saga de J.K. Rowling me fazia acreditar na magia do mundo. Me tornei bruxo. Wiccano. A religião Wicca é politeísta, tal que o Deus Supremo se divide em quatro deusas diferentes, as quatro fases da Lua. Meu primeiro Deus era mulher. Minha primeira religião era matriarcal, não feminista, embora crê-se que a natureza se divida em masculino e feminino e a união dos sexos gere o equilíbrio, tal como o yin e o yang. Mas o paganismo foi subjugado. O patriarcado religioso tomou conta do mundo. Deus é homem e o primeiro homem é homem e a mulher vem do homem.

Eu sinto vergonha por não conseguir expressar meus verdadeiros sentimentos. É impossível traduzi-los ao português sem tornar as palavras rasas, automáticas e vazias. Até porque, sou homem. E o homem comum - jargão que também não consigo encontrar sinônimo sem ser generalista - nunca vai saber o que é ser uma mulher. Mas um fato indiscutível é que a mulher não é inferior ao homem. Constatação óbvia, mas que é esquecida nas folhas de pagamento ou na expectativa de resposta emocional ou habilidade física e motora ou qualquer outra coisa que os homens sempre fazem melhor como trocar um pneu sem ter medo de se sujar.

Eu não posso parabenizar as mulheres por serem mulheres. Pois cada ser humano tem a sua própria sorte de viver; às vezes a sorte é boa, às vezes má. Mas posso sentir orgulho de todas as mulheres que são donas das suas próprias belezas e daquelas que lutam pelos seus direitos e por aquelas que vivem com naturalidade a quebra do machismo incrustado na sociedade. Mas o orgulho que sinto não me é suficiente para acreditar no dia delas.

Desculpem-me todas, mas me escondi em casa nesse sábado pra não ter que ver nenhuma delas, pois da minha boca não sairia nem o Parabéns, nem a justificativa da falta. Só o silêncio néscio que, sem querer, diz que hoje foi mais outro dia qualquer.