segunda-feira, 12 de abril de 2010

Obviedade

Eu amo o obviamente incorreto. Odeio amar o óbvio. Odeio o óbvio. O óbvio é óbvio. Gosto daquilo que não me pertence, que me foge. Gosto do sofrimento do dia-a-dia. Sou martir e amo o que está na iminência de se perder. Amo aquele que é fumaça, que toma o quarto todo, mas não dá prá pegar. Amo aquele que fica em pé no precipício e sabe que vai cair. Amo aquele que está perdido entre a vida e a morte. Eu gosto de correr riscos. Eu amo o errado, o que eu sei que vai me machucar. Eu amo o que faz a diferença, o óbvio não faz diferença, isso é óbvio. Eu amo ser obviamente incorreto.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Ah, Deus, que frio!

Todas as vezes que eu ia viajar, ela chorava. Era como se fosse a ultima vez que iamos nos ver. E nos vimos pela ultima vez por dezenas de vezes, várias dezenas. Sendo que todas elas, ela chorava. Eu acabei me acostumando com ir embora, com ela chorando, com eu me atrasando, com o pessoal se estressando. Da ultima vez que fui, ela chorou, mas ela não sabia que era a ultima vez que ia me ver. Dessa vez , ela não sabe que me viu, mas me viu. Dessa vez, ela não chorou. Nem ela, nem eu. Não que eu não quisesse chorar. Só não consigo. Hoje não consigo rir, nem chorar, nem nada. Só não consigo.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Velhice

Cinco horas da manhã e eu só conseguia pensar na minha velha sozinha no hospital. É verdade que a filha e o filho estavam lá, também é verdade que quem está sozinho sou eu. Se bem que eu tenho esse cachorro. Meu cachorro. Meu filho. Meu verdadeiro e amado filho. Vocês tinham que ver, hoje tinha um monte de lama na rua, eu disse que se ele se sujasse, eu ia dar uma surra nele. Ele foi correndo direto em direção a lama. Eu pensei que era um safado, mas ele desviou da lama e saiu correndo. Ele adora correr. Corre tanto que volta para casa com a linguinha de fora, afobado. Eu tinha alguém. Ela não, ela estava sempre dormindo. Mas que bom que dormia, pois daí ela melhorava. Minha velha só precisava descansar. A minha filha fica chorando, dizendo que a velhinha vai morrer. O outro diz que a culpa de ela estar doente é minha, pois ela está com os pulmões devastados pela fumaça do meu cigarro. Mas não é culpa minha. É culpa do médico que disse para eu voltar a fumar. Hoje eu fumo uns quatro cigarros por dia, mas é só para o remédio de dormir funcionar. Sem o cigarro, eu fico que nem um zumbi pela casa, drogado e andando por aí, sem nem lembrar de nada no dia seguinte. Minha velha não vai morrer, ela é forte. Ela é mais forte que eu. Eu sou meio fraco, meio surdo, meio cego. Ela é forte. Ela não vai morrer. Ela vai estar aqui quando o estádio estiver pronto, pois ela adorava ir assistir jogos de futebol no estádio. Ela vai assistir o Paraná jogar aqui comigo, da janela de casa. Ela é forte. Eu sei disso.