terça-feira, 30 de março de 2010

Mãe

A vida foi passando. E ela foi ficando prá trás. Ela não se contentou e correu atrás da vida, mas, ora ou outra, tinha que cansar. E cansou. Hoje ela acorda cedo, leva meu irmão pro cursinho, fica assisitindo o padre (eu odeio padres de televisão, me parecem sanguessugas, sugando o dinheiro da fé das pessoas, mas ela não está nem aí para o padre, quer saber de Deus) na Band (acho que é na Band) até a hora do trabalho. Passa o dia todo sofrendo, dando o melhor num trabalho que ela nem gosta de fazer. Entre o trabalho e a reza, vem a saúde, seja do vô, da vó, do Leo, o povo aqui não é dos mais saudáveis. E quando a gripe me bate, eu ligo prá ela (é, eu reclamo da gripe enquanto todos tem problemas cardiacos, respiratórios). A vida vai passando e ela vai sendo a base que suporta um mundo inteiro: o mundo dos pais dela, o mundo do marido, o mundo dos filhos, menos o mundo dela. Ela não tem um mundo prá ela.
Um dia ela pode ter sido uma mulher aproveitadora, sacana, safada. Sei lá, não a conheci quando jovem. Sei de agora, enquanto o tempo passa, vai ficando mais pura. Antes não entrava a palavra "ódio" em casa, hoje não pode-se falar mal dos outros. Cada vez mais pura, cada vez mais politicamente correta, mais religiosamente correta.
Eu fiquei pensando sobre o momento em que os mundos que ela segura se despedaçam. Ela ficaria lá, com as mãos para o céu. Não rezando, mas segurando o ar, indignada com o vazio e a leveza do ar. Ficaria estática esperando o céu ruir, pois tudo estaria tão leve.
Agora, neste exato momento, ela está no hospital cuidando da mãe dela. A minha vó está com os pulmões mortos, a pressão está baixa, enfim, ela está internada. A mãe cuida da vó o dia todo, quando a vó dorme, ela cuida das outras pacientes que ficam naquele quarto. E cuida de todo mundo. Pois é por isso que ela nasceu: ser a mãe do mundo, fazer dele um lugar melhor. Ela é tão diferente de mim, que vim prá ganhar dinheiro, basicamente. E agora me dei conta que, se ela quiser, ela tem um futuro para as mãos vazias: que vire enfermeira, que espalhe o monte de amor que ela quer espalhar, pois quanto mais amor ela espalha, mais ela consegue disfarçar o ódio pela vida que ela guarda no peito.