domingo, 14 de março de 2010

Silicone

Eu tinha severas dores nos braços e nas mãos, principalmente quando estava frio. Achei que podia ser uma L.E.R. causada pela digitação excessiva, por isso fui a um especialista. A agenda do médico era bastante concorrida, só fui consultado 3 meses depois das primeiras vezes que quis morrer para parar de sentir aquele diabo no meu corpo. Acredite: em 3 meses as coisas podem piorar muito. Eu já não usava mais as mãos, para evitar maiores problemas.

- Bom dia, João.
- Bom dia, doutor.
- Dores fortes nos braços?
- Acho que é de digitar.
- Ainda digita?
- Mal segurar o garfo eu seguro.
- Está sentindo dor agora?
- Não só agora, mas como há 5 minutos atrás e como daqui a uma meia hora. Sentir dor é um estado, que nem estar vivo.
- Te encomoda?
- ... (eu pensava: é claro que encomoda, seu retardado!) já me acostumei, dói bastante.

O exame demorou, raio-x, aperta ali, aperta aqui... e eu sentindo dor.

- É um caso clássico de artrite simétrica.
- ... e tem cura?
- Desde quando você sente dores?
- Há uns 4 meses.
- Se você tivesse vindo aqui há 3 meses, poderiamos curá-lo quase que imediatamente, mas há cura sim, só vai demorar.
- ... (ah, é sério? você acha que se você tivesse espaço na sua agenda, eu iria escolher esperar 3 meses?) e qual é o próximo passo?
- Exercício. Darei uns medicamentos para você parar de sentir dor, mas, no montante, exercício.
- ... (exercício... gostei... eu precisava que alguém me empurrasse, alguém que me animasse a sair do sofá. aproveito e paro de fumar, faz tanto tempo que quero largar esse vício nojento!) academia?
- ... (pendeu para o lado, procurando alguma coisa na gaveta. dela, tirou uma bola azul.) Não, é só apertar essa bola.
- Como assim?
- Aperte. Todos os dias. Vamos fortalecer os seus músculos, assim você não precisa usar somente as articulações do corpo, são elas que estão debilitadas.
- Apertar?
- Isso.
- ... Só isso?
- Aham. Ah, acho melhor você pedir umas férias. Trabalhar, agora, é perigoso.

E tomei férias. Apertando. Todos os dias. Sentado no sofá, assistindo a televisão, entediado. Apertando até cansar. Daí trocava de mão, e apertava mais. E apertava. De vez em quando recebia visitas. E eu morria de felicidade, pois o tédio caseiro estava me deixando maluco. Mas logo morria de ódio, pois todas as vezes alguém falava da merda da minha bolinha azul. Porra, eu não estou com ela por gostar dela. Eu odiava a bola azul.
Um dia, Maria foi me visitar, ela não zombou da bolinha, fiquei feliz o dia todo. Maria veio me contar que queria aumentar os seios, mas não tinha dinheiro. Que estava descontente, pois o namorado dela tinha traido-a com uma amiga (a amiga, obviamente, tinha seios 3 vezes maiores do que os da Maria). Coitada, menina bonita, magrinha, gente boíssima, mas sem peito. Eu não tenho problemas com mulheres sem peito, mas ela tinha. Pobre Maria. Pobre de mim, tinha que ficar apertando aquela maldita bolinha.

- Alô?
- Maria?
- Isso...
- Oi, é o João.
- Oi, João, como está o braço?
- Ah, que nem estava ontem... e anteontem.
- Ah, domingo estava bom, não estava?
- Estava, mas choveu, ficou frio. Piorou de vez.
- Coitado.
- Sobre coitado... Como vão os peitos?
- O quê?!
- Desculpa... Abordagem errada. Começo de novo. E o silicone, resolveu se vai por mesmo?
- Resolvido! Chutei o namorado, aquele filho da puta. Quero ficar gostosa, para ele babar e ver o que perdeu.
- ... (Kelly Key?) E a grana, conseguiu?
- Não, de acordo com meus planos, consigo pôr o silicone no final de abril.
- Pô, 7 meses...
- Ah, pelo menos estarei feliz. Eu espero.
- Maria, te liguei para fazer um convite, no mínimo, inusitado.
- Ah, João, fale. Nós somos melhores amigos, nada em você me impressiona.
- E se eu pagasse teus peitos?
- Como assim?!
- Ai meu Deus... como eu digo? Fico até com vergonha.
- Hahaha. Desembucha, homem!
- É que... eu cansei da bolinha. Pensei que se eu pagasse teus peitos, eles seriam meus. Daí ia poder apertá-los, em vez de ter que apertar a maldita bolinha azul.
- ... (que merda. ficar em casa assistindo TV tem feito mal para a minha cabeça. é óbvio que ninguém ia aceitar uma idéia idiota dessas.) é uma troca, não é?
- ... (fiquei impressionado. digo o que?) ah, sem maldade. É só para eu melhorar sem me entediar.
- Não seria a primeira vez que você faria isso, seria?
- Hahaha. Contando nosso namoro?
- Vou pensar, João. Obrigado pela oferta.
- Beijo.

Tá, a gente não espera que ofertas sem pé nem cabeça surtam efeitos. Seria quase como chegar para o chefe e, em troca da presidencia da companhia, dar a própria mulher para ele comer. Chefe nenhum aceitaria isso. Mas a Maria aceitou. Aceitou e eu apertava. Apertava. Apertava. Enquanto eu assistia a Globo ou enquanto ela tentava estudar. Até que as dores pararam. E ela perguntou o que seria de nós. Eu inventei que o médico queria que eu não parasse de apertar. Então eu apertei.
O tempo passou. Eu apertando, até que esqueci o motivo. Resolvi que, como era meu, eu podia apertar, podia por a boca, podia me divertir. E eu me diverti. Pobre Maria, que tinha grandes e deliciosos seios, mas acabou sendo a minha escrava. Pobre da bolinha, que ficou esquecida embaixo do sofá.