sábado, 6 de março de 2010

Eu tenho a impressão de que quero que você fique mais um pouco

Eu estava atrasado, como sempre. Sentei ofegante, larguei a mochila no assento vazio do meu lado. O ônibus já andava, enquanto eu ia me arrumando. Liguei o iPod, pus uma música triste para tocar. Senti o escuro, vi o meu carro no estacionamento da rodoviária pela janela. E sorri, pensando que eu sempre dou tchau para a mãe, para o Leo, para os gatos, para os avós, mas nunca para o carro. E me desatei a chorar. Três ou quatro lágrimas de puro sofrimento. A injustiça violando a minha carne, meu peito se quebrando, os meus olhos desatentos degustando as escuras ruas de Curitiba. A dor de gostar de casa. A dor de gostar da família. A dor de achar que não é justo ter de ir embora quando não era hora. Queria ficar mais uns dias, até enjoar do cheiro forte da urina da gata dominando a casa, até enjoar da falta de amigos, até enjoar das tardes inúteis, até enjoar de ser o chofér. Queria aproveitar por mais uns dias o falatório eterno do irmão, do carinho da mãe, do gato gordo esquentando os pés de madrugada, das tardes de seriado rechados de Ruffles e Coca-Cola. Mas acaba. Tudo acaba. E injustiçadamente, tive que voltar.

Tive que aprender a defletir a dor. Foram indas e vindas de injustiça, de saudade, de desgosto. Agora sou invulnerável às dores. Todas elas. Foi por isso que eu escolhi nunca mais amar, pois o amor machuca, o amor deixa marcas que demoram a sair. Foi por isso que eu escolhi viver sem Deus, pois Deus sabe desapontar os fiéis, Deus nem sempre é fiel. Eu sei não sentir dor.