terça-feira, 7 de abril de 2009

Confidências depressivas

A Morte sempre foi parte de mim, desde o início. Nasci prematuro, minha mãe teve uma gravidez dificílima. Antes do primogenito, eu, ela perdeu um filho. Tão fácil temer perder o segundo, quando se perde o primeiro, não é mesmo? A Morte segurou no meu calcanhar quando eu era um filhote em formação, dentro da enorme barriga da Dona Daisy.

Aos 14 para 15 anos a vida deixou de ser linda, pra ser horrível. Crises familiares, brigas, escassezes, adultérios. Até aquele ano eu era o filho que todo pai queria. Era, pois minha educação foi fantástica, não entendo o motivo, já que aqui em casa tudo foi muito liberal, muito "prostibulo", "zona". Mas ainda que zona, sempre fui criado embaixo das asas dos país e da avó. Pois nessa crise os meus pais deixaram de olhar pra mim pra olhar pro umbigo deles. Ninguém percebeu que eu comecei a fumar, pixar, odiar. Sou o que sou por causa desses anos, me tornei ruim, cruel. Um dia a Morte me bateu no ombro e perguntou:
- Está gostando de viver assim? Acho que ninguém está prestando atenção em você... Pra que viver monsenhor?
- Morte, quero a Morte.

E ela estava lá. Minha nobre amiga, me esperando pra me levar quando eu tomasse coragem. Na realidade coragem não faltava, faltava Daisy Silka deixar de ser Silka e Sergio Silka morar em outra casa. A separação dos dois era o marco da minha Morte. Eu e ela, sempre de mãos dadas, esperando o dia em que acontecesse o que tinha de acontecer.

Graças a Deus, sim, Deus, nada aconteceu. Um dia me cansei da Morte e ouvi Deus chorando por mim. Como poderia um anjo se tornar um diabo em tão pouco tempo? Deixei de ser diabo, deixei de esperar a Morte me levar. Achei a religião.
Pra quem não sabe, sou Espirita. Os Espiritas acreditam na vida após a Morte. Algumas pessoas afirmam ver Mortos, ou seja, fantasmas. Eu era uma dessas pessoas. A Morte, aos meus olhos, era viva. Era um prazer ver os Mortos (quando não era assustador, eu via cada monstruosidade). Minha paixão, Sarah, fora uma cigana espanhola, faleceu num massacre.
Talvez, você, leitor crítico e ateu, diga que eu era uma criança cheia de problemas. Na realidade os mortos não foram conseqüência da separação, foram conseqüência do crescer. Vi o primeiro "fantasma" aos 12 anos, muito antes dos traumas caseiros.

Até pouco tempo, a Morte era uma das mais nobres amigas minhas. Sei, parece mórbido, mas não era. A Morte era a verdade, a esperança, a religião.

Foi quando o meu Tio Nilo morreu que eu disse:
- Não és minha amiga, és o vilão que me persegue!
- Ok, mas não te largo. Um dia você será meu. - Cinicamente, morbidamente, a Morte dizia.

Nunca tive medo dela. Naquela experiência "discutindo com a morte" eu passei a odiá-la, mas nunca temê-la. Hoje temo. Meu medo é imenso. Nunca tive tanto medo de algo.
Não leitor, o medo não é de morrer, é de perder. Se eu morrer eu não perco nada, além da vida. Se alguém que amo morre, perco muito, posso até perder tudo.


Pensei nisso quando ouvi a história de uma mãe que suicidou-se. Deixou a filha adolescente cuidando do neto sozinha. Pra mãe, morrer deve ter sido delicioso, a vida não era boa, era dura. Pra filha, a morte foi a pior das coisas que podia acontecer. Aos meus olhos, a mãe é uma egoísta, a filha é uma injustiçada. Ouvir a história não foi tão complicada, ler as palavras da filha que me fez pensar. A filha perguntava sobre o merecimento das coisas, dos motivos das coisas, foi meio triste.

Daí eu vejo, a Morte é injusta, cruel, infâme, quem é amigo da Morte fica que nem eu, meio estúpido, meio inerte, meio inconsequente.