sábado, 19 de abril de 2008

Sobre uma narração

Ok. É assim:

Conheceram-se num parque, aonde uma chama de paixão surgiu subitamente. Do parque aos lençois. Do sexo ao amor. Aquela chama de paixão virou puro amor, depois um pouco de tédio. Puro tédio e o amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferente dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas, ele resmunga pelo olhar dela, supostamente desviado para um sujeito da mesa ao lado. Assim arrastavam-se os dias, sempre a mesma rotina.
Demorou uns quatro meses para ele deixar o romantismo de lado, pra quê romantismo? Daí deixaram o parque. Ela já não dava tanta bola para o sexo também. Sem escolhas iam bebericar e fumar na esquina de casa, sem falar nada, apenas comendo fumaça e ficando mais e mais embriagados. Era comum ele surtar por um ciúmes repentino, gritavam e em minutos calavam-se.
Naquele domingo ela queria o amor de outrora. Ele continuou sendo o ranzinza de sempre, dormiu a tarde toda, acordou apenas para assistir o jogo. Ela saiu em busca do amor que não recebera em casa, não o amor em si, mas foi atrás de qualquer coisa que ao menos a fizesse sorrir. O tédio dele virou ódio, onde estava a bendita? E o bar já estava chamando. Ela chegou sorridente cheia de sacolas e o celular tocou, mensagem da amiga agradecendo o dia.
Sentaram no café e depois de sete cervejas e de muito silêncio: de quem era a mensagem? Era da Clara, a única amiga que ela tinha, pois o casamento destruiu todos os outros laços. Obviamente o ciúmes não acreditou. "Quem mandou a porra da mensagem, vagabunda?" O bar ficou em silêncio. Ela não disse nada até pensar em uma boa resposta. "Hoje queria o teu amor, saí fazer compras, pois amor não tiro da tua maldita carcaça."
Hora de ele ficar quieto, só observando ela tirar a alinça e levantar-se. Ela deu tchau para os garçons conhecidos e sumiu. Sumiu para sempre. Ele não saiu do café, não esperando ela voltar, mas apenas comendo a densa fumaça do cigarro.