segunda-feira, 30 de junho de 2008

Sobre um resumo

Começou sem querer, sem saber e com um doce gosto de vingança.
Não digo que foi um prato bom, de início, pois vingança come-se fria, Ele não era chegado em pratos frios. Daí foi enrolando, não queria comer duma vez só, esperaria esquentar. Quando esquentou a vingança deixou de ser vingança pra ser mais um daqueles deliciosos banquetes.
Ele queria só uma vingança e acabou descobrindo o amor. Ela queria só uma companhia e ganhou uma dor. De início Ele fingiu amor, depois de alguns "te amos" insignificantes acabou por dizer um "eu te amo" cheio de significado.

Dali pra frente seria apenas rosas, não fosse o passado. Ele que aprendeu a amar passou a amar desesperadamente e a confiar fortemente. Não confiou por confiar, apenas queria segurança, portanto confiou para ser confiado. Fato é que nunca o foi, o que tornava Ele mais desesperado.
Ela nunca confiou, pois Ele era infantil e não sabia tratar um coração que não fosse o dele. Depois de um pouco de sentimento de culpa Ele acabou por jogar sua vida "convencional" pelo lixo, escolhendo uma nova vida chamada "Ela".
Quem passava pelo casal via sexo, apenas. Via, pois a passagem rápida e sem atenção permitia o telespectador a ver apenas o superficial. Acontece que dentro daquele quarto não passavam telespectadores, nem amigos, nem visitantes; de quando em quando o cachorro, que seria chutado da cama por Ele caso aparecesse. Dentro daquele lugar existiam duas vidas, vividas uma pela outra, apenas. Nada de telespectadores, ou um narrador pra contar a história, muito menos Deus pra cuidar dos dois.

Na realidade Deus o mandou para salvá-la. Já Ela foi mandada pelo próprio Satanás, para vingar-se de todos os machucados que Ele causou nela. Nem a Terra, nem o Céu, nem o Inferno precisavam estar no quarto. Ele de Deus, Ela do Diabo, um quarto bem representado.
Ele não foi o anjo que deveria ser e ela não foi o demônio enviado. Ele acabou feriando-a inúmeras vezes, dizendo o que não precisava ser dito. Ela acabou vingando-se chulamente, na verdade fez muito, mas muitíssimo, mais bem do que mal. Ela acabou por ensinar Ele a amar, a crescer e largar o egoísmo.
Caso existisse Deus no quarto Ele não a teria machucado. Caso existisse Diabo no quarto eles não teriam se amado. Caso existisse um narrador, o telespectador (inexistente) iria saber que o sexo era a paixão; o silêncio que faziam ao deitar abraçados na cama era a vida; as conversar, os carinhos, os sorrisos eram o amor; as brigas eram a infantilidade dos dois.


Um belo dia Ele quis ser o anjo que deveria ser, sabia que a única alternativa para o bem era fazendo o mal novamente... e Ele o fez. Ela seguiu na vida, uma próspera vida, aquela vida que Ele queria pra Ela. Nesse seguir de vida Ele ficou sozinho, a chorar, como fazia sempre. Deitou no colo da mãe centenas de vezes sentindo-se solitário, esquecido, injustiçado.
Pode-se dizer que foi um pouco, pois Ela nunca voltou, partiu para todo aquele sempre, fugindo dos esforços sobrehumanos que Ele fazia para não ser deixado.
Até o dia em que Ele explodiu, chorou pela última vez, transformou a aliança num D e o amor em ódio.


Foram passando os anos e de quando em quando Ela aparecia na cabeça dele. Mais rápido que dizer "que saudade" Ele conseguia odiá-la e esquece-la.
Ele não sabe onde Ela esteve, com quem andou, o que sentiu. Também não queria saber, pois viva uma fantástica vida medíocre.


Um dia acordou sentindo o perdão e deixou de lado o ódio, ou o amor; assim disse ele para ela. Voltaram a conversar, mas Ele evitou lembranças para evitar o ódio.
Ele ia embora; quando foi, resolveu despedir-se dela, não por ser uma bom amigo, apenas para sentir o mal que gostava de sentir. É, Ele tornou-se meio ruim, largando totalmente a posição de "anjo" que tinha antes. Enfim, na despedida Ele falou certas palavras de cunho sensacionalista só pra ver os olhos dela ficarem úmidos. Os olhos ficaram e o interior dele ria numa alegria bizarra.
Ele entrou no carro para seguir o seu rumo e junto com a chuva, de repente, sentiu saudades, vontade, um pingo do amor de outrora. Tentou odiá-la rapidamente, mas não conseguiu.


Ele viveu uns dias na nova cidade e sem querer sentiu vontade de dizer pra Ela o que sentia, o que sentiu. E assim disse quando chegou em casa. Disse o que quis, o que devia. Ela fez o mesmo. E o ódio finalmente sumiu por completo. Ele queria o amor proibido que ela não tinha a oferecer, Ela queria o amor proibido que não podia amar.
Entre uma palavra e outra Ele tentava beijá-la. Ela demonstrava uma fidelidade que irritava Ele. Na realidade não irritava pouco, irritava muito. Entre um "não te odeio" e um "eu te amo, pra sempre" acabaram se beijando. Um beijo que Ele considerava propriedade própria desocupada a séculos; um beijo que Ela considerava proibido e errado.


Passaram-se os dias e de minuto em minuto Ela aparecia na cabeça dele. No tal beijo proibido, no futuro, no passado. Aquele passado que ele evitou lembrar todos esses anos, causando surtos de risos quando lembrava de coisa que havia esquecido.
Lembrou do dia em que foi de bicicleta até a casa dela, tomou uma chuva e acabou pelado coberto entre os lençois do abrigo dos dois, vulgo cama. Lembrou do dia em que fez um coração na altura da virilha dela, causando um orgulho que o fez ficar ultra-envergonhado quando Ela mostrou a "tatuagem" para a mãe e a irmã, que o olharam com um olhar espantado. Lembrou das manhãs que tomavam sol e molhavam-se com a mangueira. Lembrou de quando subiam no telhado pra ver as estrelas, ou transar, ou ambos. Lembrou de quando ficou bêbado, chorou e dormiu no colo dela num aniversário. Lembrou dos dias na casa tia. Lembrou dos dias na praia. Lembrou do pedido em namoro dentro do carro lotado num dia chuvoso.


Talvez um narrador pudesse fazer que os novos espectadores entendam o interminável drama.